tag:blogger.com,1999:blog-39934185348442003622024-02-20T20:24:18.897+00:00carrinho de choque, blog de um escritor que não gosta de conduzirHugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.comBlogger357125tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-26669755382719037402015-01-06T12:26:00.002+00:002015-01-06T12:27:13.103+00:00O calor, crónica publicada no Diário de Notícias<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-wAdIVMdx2LPYeT39DkygoKneZKypuVOSj421jxT_zFT45WZxH4rRumL6kfKcyXNzgTYyUcVgDY1h-LxOsJ1NYB7flFLO0cVKlmu-dE6_GrhFrehH-4dgpQBGoC-avOhYxwx_4QdwxT8/s1600/4jan2014---pessoas-lotam-a-praia-de-ipanema-na-zona-sul-do-rio-de-janeiro-neste-sabado-4-de-calor-intenso-1388877485465_1920x1080.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-wAdIVMdx2LPYeT39DkygoKneZKypuVOSj421jxT_zFT45WZxH4rRumL6kfKcyXNzgTYyUcVgDY1h-LxOsJ1NYB7flFLO0cVKlmu-dE6_GrhFrehH-4dgpQBGoC-avOhYxwx_4QdwxT8/s1600/4jan2014---pessoas-lotam-a-praia-de-ipanema-na-zona-sul-do-rio-de-janeiro-neste-sabado-4-de-calor-intenso-1388877485465_1920x1080.jpg" height="225" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Heat. This
is what cities mean to me.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Don Delillo<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">O primeiro dia do ano no Rio de Janeiro teve
uma sensação térmica de 45 graus. Às oito da manhã os termómetros de rua
piscavam o número 30 e um mergulho ou um duche – tépido, pois a água, aquecida
pela transpiração dos canos, tem a temperatura e a viscosidade do sangue – eram
a única forma de abrir um buraco de frescura no manto incendiário que cingiu a
cidade. Não é um calor de férias, lúdico, de alívio aos rigores do inverno, mas
um calor urbanita e opressor, que emana dos pneus e dos motores e das pessoas,
um calor bufado pelos escapes dos ônibus e pelo desespero dos que vão lá
dentro; um calor que pinga dos aparelhos sanguessugas de ar condicionado nas
fachadas dos prédios; um calor que se instala no esqueleto dos apartamentos e,
sem a oposição de uma brisa ou do desafogo da chuva, vai ganhando poder,
apertando o cerco, chupando o oxigénio, desacelerando as ventoinhas, cujas pás,
incansáveis durante dias, parecem agora fatiar a atmosfera com a indolência de
um funcionário que desatou o nó da gravata e decidiu sair mais cedo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> Com
o calor há mais mulheres esbofeteadas e maridos envenenados; puxa-se mais
facilmente da faca e da pistola; a espera no trânsito empurra-nos para uma
condição bovina, não uma placidez estival e balnear, mas a sensação de que
caminhamos nervosa e lentamente para o matadouro. E há o ruminar contínuo dos
aparelhos elétricos, geradores, ventoinhas, arcas congeladoras, um exército de
máquinas que se alimenta de calor para reduzir o calor. Os computadores
sobreaquecem e estafam como cavalos no deserto. Os frigoríficos roncam e
estalam a toda a hora num esforço frustrado – a água não gela e a melancia está
morna. O calor desprende-se e aninha-se em todas as superfícies, emana da
sombra e até da água, refugia-se nas copas das árvores que, chicoteadas
inclementemente pelo sol, parecem prestes a pegar fogo. O mormaço ondula sobre
a areia, no horizonte, nos contornos dos edifícios, e à noite, aproveitando a
ausência da chuva e do vento, ocupa todo o espaço, alimentando-se do fervor
elétrico da cidade e aglomerando forças para o dia seguinte. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> Não
há alívio que dure. É preciso uma logística para debelar o calor. Vários
duches. Mergulhos apenas ao amanhecer e ao anoitecer porque encontrar um espaço
vazio na praia apinhada é como jogar Tetris no nível mais difícil; e porque nem
o oceano ou as camadas de creme protetor impedem que a pele crepite e se
inflame. Em casa, as ventoinhas estão dispostas estrategicamente após um estudo
de circulação do ar e são movidas de divisão consoante as atividades
domésticas. Sair à rua entre as onze da manhã e as quatro da tarde implica
avaliar a distância dos percursos percorridos a pé e contar com o abrigo
temporário das lojas com ar condicionado. As mulheres usam guarda-chuvas como
sombrinhas, há mais homens em tronco nu, é sempre preciso dar mais uma
chuveirada no cão e respeitar o espaço físico da pessoa com quem vivemos. O
calor dos trópicos tem uma conotação positiva e instigadora do romance. Mas
este tipo de calor – acachapante, impaciente, revoltoso – impede qualquer tipo
de toque que dure mais de alguns segundos.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> No
ensaio <i>Three uses of the knife</i>, o
dramaturgo David Mamet escreve: “O estado do tempo é algo impessoal. Percebemos
isso, e aproveitamo-nos disso com finalidades dramáticas, isto é, construímos
um enredo de forma a encontrar o seu significado para o protagonista, ou seja,
nós mesmos.” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">O calor, a
chuva, o frio, o sol, os dias nublados, têm um influência indelével no nosso
comportamento e nos nossos ânimos, da mesma maneira que servem para projetar a
nossa narrativa – onde estamos e como vemos o que nos rodeia. Por isso, a
simples possibilidade de uma trovoada e de uma chuvada ao fim da tarde é
debatida e desejada em conversas de esquina e mesas de boteco como se fosse uma
solução para todos os problemas da cidade e da vida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Este calor
fere e enfurece, deixa-nos lassos, na iminência da rendição incondicional. Este
calor funde o cérebro e as articulações, aplica-nos a tortura do sono e
rouba-nos a fome. Neste enredo, o calor só pode ser o némesis, implacável e
omnipresente na resistência física que oferece de cada vez que tento lascar a
humidade, sentindo no corpo inteiro o mesmo ardor de quem se submerge numa banheira
de água quente. O calor, afinal, é o principal culpado pela incontrolável
propensão de estar, por estes dias, muito menos envolvido com a humanidade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-23685984094164250572015-01-06T12:23:00.000+00:002015-01-06T12:23:35.456+00:00Barba rija, crónica publicada no Diário de Notícias<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEihiireFfBAE9tgySiLuNSRrkB_7ECG_Cae53jnTOxkvuc1NovSvM1apvEAyTJd0-i3t-onGlB7n14MtoxBnKDSOJOezMxIWJKox6d3PZE3y2Oy85R-vsPHhJO68sccps1yeQ3HfGMvMl0/s1600/Shaving.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEihiireFfBAE9tgySiLuNSRrkB_7ECG_Cae53jnTOxkvuc1NovSvM1apvEAyTJd0-i3t-onGlB7n14MtoxBnKDSOJOezMxIWJKox6d3PZE3y2Oy85R-vsPHhJO68sccps1yeQ3HfGMvMl0/s1600/Shaving.jpg" height="378" width="400" /></a></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">É um tema sério, mas talvez os responsáveis pela
criação de tendências não tenham compreendido ainda a relevância da barba na
história pessoal de cada homem, continuando a inventar novos tipos de macho –
depois dos metrossexuais, os <i>lumbersexuals</i>,
com barbas fartas e camisas de lenhador –, não entendendo o determinismo
selvagem e a inevitabilidade masculina (não uma moda, não um acessório ou um <i>gadget</i>) de ter pelos na cara. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> O
primeiro contacto com as pelosidades faciais pode ser traumático. Um buço
púbere jamais é celebrado com o mesmo entusiasmo que os pelos púbicos. Enquanto
o despertar da vida abaixo do trópico do umbigo é usado como uma medalha ao
peito, o aparecimento de uma penugem mansa sobre o lábio superior costuma ser
objeto de chacota dos pares e de nojinho por parte das raparigas – quem é que quer
beijar um Cantiflas pubescente? Há quem não aguente a pressão e use, antes do
tempo certo, a lâmina do pai, ignorando todos os ensinamentos e maldições que
garantem que um pelo rapado hoje regressa amanhã com a determinação hirsuta dos
lobisomens. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> E
há a importância do ritual, as diferentes técnicas passadas de pai para filho,
quem esconhoa e quem desliza a lâmina na direção do pelos; a água quente para
abrir os poros, o pedacinho de papel higiénico para estancar um corte, a água
fria e as chapadas nas bochechas para encerrar o processo. Esta manifestação
diária vai mais além da biologia e da higiene pessoal – faz parte do relicário
do género masculino, como os livros de detetives que usam chapéu, “O Padrinho”
de Coppola, Muahammad Ali no ringue ou a possibilidade de urinar em pé. O
ritual é tão importante que resolvi ser <i>oldschool</i>
e pus a minha jugular à disposição de um barbeiro, que manobrou uma navalha das
antigas – como o meu avô usava – com a precisão de um espadachim e me fez
sentir mais Ricky Blane <i>circa</i> 1942 e
menos anúncio da Gillette. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">O processo
diário de fazer a barba oferece-nos ainda um instrumento metafísico: o
enfrentamento com o eu, o nosso reflexo no espelho, as olheiras culpadas da
ressaca, o vinco de preocupação na testa que nenhum botox desenrugará. Um ritual
intímo, no entanto, bastante explorado cinemática e literariamente; uma
liturgia que, apesar de repetida tantas vezes, ainda nos faz perguntar “afinal,
quem és tu?” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> Muito
se pode saber sobre um homem se tivermos em conta a sua barba. Três dias sem
uma lâmina pode ser descuido, mas também pode ser modelo de anúncio de
cigarros. Até no “conflito de civilizações” a barba desempenha um papel. No seu
livro “Generation Kill”, Evan Wright conta como os <i>marines</i> que invadiram o Iraque, em 2003, estavam proibidos de
deixar crescer bigodes (muito menos barbas). Quando, anos antes, os taliban chegaram
a Kabul, no Afeganistão, chicoteavam os homens sem barbas e o ministro para a promoção
da virtude e prevenção do vício, Mohammed Wali, alertou que os bigodes dessas
barbas deviam ser aparados para jamais cobrirem os lábios – sob pena de mais
xibatadas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> Não
importa se o homem é hetero ou gay, casado ou solteiro, novo ou velho, a barba
é um elemento fundamental da sua masculinidade. Pode parecer primitivo e
limitado, mas é um facto inexorável. Não importa que use echarpes ou que seja
pugilista, que faça a barba todos os dias ou que pareça um arrumador de carros,
há qualquer coisa de primoridal na relação do homem com a sua barba. Ela é uma sina
e um símbolo, um elemento de metamorfose e de renovação. Muitas vezes, ao longo
da vida, deixei crescer a barba enquanto escrevia um livro ou porque me sentia
em modo de mudança ou porque queria abraçar o meu lado mais jagunço, de Mogli
criado por lobos na selva. E qualquer homem vos dirá que o ato de deixar
crescer a barba, tal como a decisão de, semanas ou meses depois, voltar a ter a
cara limpa, têm um enorme poder de transmutação sobre a psique masculina – por
vezes com profundidade, após o fim de uma relação amorosa ou a morte de um
familiar; por vezes de forma juvenil e inconsequente, como numas férias com
amigos ou como resultado de uma promessa durante um campeonato do mundo de
futebol. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> Tudo
isto para fazer um pedido. É que talvez as mulheres ainda não tenham percebido
a importância da exclusividade da lâmina que barbeia a cara de um homem, mas,
por favor, parem de subtrair-nos as Gillettes a fim de amaciar pernas e
virilhas, indiferentes ao facto de que uma lâmina tem para nós a mesma
importância que a faca de mato tinha para John Rambo.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-73197515982008585332014-12-22T11:06:00.000+00:002014-12-22T11:06:31.733+00:00Duendes de sunga, crónica publicada no Diário de Notícias<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJOj4abWzmwucS5mW9Rruub4YXesGRjmXfjV_GRn0Z0y_91Ibof9XoMrpUgv_E7ntNIsxuP9e1f-SZPwdQ70IDmS6lJIIXj1PdV-OAOKUTegYXfQrkMc4lOZWoY1yb8fMtiBomLJ7rcU8/s1600/mrcat_natal2011_benicio010.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJOj4abWzmwucS5mW9Rruub4YXesGRjmXfjV_GRn0Z0y_91Ibof9XoMrpUgv_E7ntNIsxuP9e1f-SZPwdQ70IDmS6lJIIXj1PdV-OAOKUTegYXfQrkMc4lOZWoY1yb8fMtiBomLJ7rcU8/s1600/mrcat_natal2011_benicio010.jpg" height="400" width="346" /></a></div>
<span style="font-family: Cambria, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria",serif; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Da mesma forma que um brasileiro olhará para
o Carnaval dos portugueses com a sensação de que há algo de errado num corso
debaixo de chuva, no frio de fevereiro, em que mulatas importadas tiritam
sambas enquanto escoltadas por Cabeçudos de Torres Vedras, também um português
tem essa impressão de profundo deslocamento num Natal no Rio de Janeiro. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria",serif; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">De certa
maneira, Vincent Vega, em Pulp Fiction, tinha razão. “<i>A lot of the same shit we got here they got there</i>”, ou seja, também
há uma árvore de Natal gigantesca, patrocinada por um banco, uma companhia de
seguros ou outro colosso do género, que atrai multidões e entope ainda mais o
trânsito caótico e agressivo; os <i>shoppings</i>
estão cheios, é difícil apanhar um táxi, há infinitas festas de empresa, filas,
multibancos sem dinheiro, um vomitar de anúncios de telemóveis e um frenesi de
compras, reuniões familiares e excessos alcoólicos e gastronómicos. Até se come
bacalhau, embora o animal fetiche para a consoada seja o chester – uma ave que
eu desconhecia e cuja popularidade me intrigou desde o início, mais ainda
porque a primeira noite de Natal que passei no Rio, desembarcado havia dias,
foi na festa do “Arrasta o chester” – conceito de uma amiga, em que, depois de
jantar com as famílias, os seus convidados levam os restos de comida e de
bebida para sua casa e, livres dos contragimentos familiares, só desligam a
música ao amanhecer. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria",serif; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">O chester,
vim a descobrir, é uma galinha gigante e desengonçada, resultado de doze anos
de seleção artificial de uma empresa brasileira, que queria encontrar um
concorrente para o peru de uma marca rival. Hoje, o chester (sobre o qual há um
role longo de teorias da conspiração) parece ter ganho a guerra das aves no
Brasil. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria",serif; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">E depois há
a extravagância da neve artificial com 40 graus, as musiquinhas natalícias
(aqui dize-se “natalinas”) tocadas em cavaquinho em estilo samba, dias de praia
lotada e mendigos negros com gorros de Papai Noel, catando latas do chão para
vender; anões vestidos de super-homem e de super-mulher (a sério) promovendo
uma <i>pet-shop</i> com megafones – um
desfilar de personagens e cenários que entretêm um português mais habituado ao
torpor do Natal lusitano, com mantas nos joelhos, <i>overdose</i> de comida e o coro de Santo Amaro de Oeiras na TV. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria",serif; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Estar longe
da família – e das conversas sobre natais antigos e o coelhinho que foi com o
Pai Natal e o palhaço, no comboio, ao circo – intensifica a estranheza que,
nesta época, aflige o emigrante, porque a saudade e a nostalgia não encaixam no
fluxo festivo da cidade. É que não se trata apenas do Natal de família – a que
estamos habituados. Por esta altura, começa o verão e as férias grandes das
escolas e universidades, faz muito calor e os dias são longos, celebra-se a
passagem de ano com dois milhões de pessoas na praia de Copacabana, dispara-se
a toda a velocidade dionísica para o Carnaval apoteótico. Enquanto o emigrante
fala no Skype com a família, perguntando se está muito frio em Portugal,
enquanto o seu bacalhau no forno eleva a temperatura do pequeno apartamento a
50 graus, o carioca está a dar o tiro de partida para mais uma temporada
estival de festa, sangue bom e bagunça erótica.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria",serif; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> O
verão é <i>sexy</i>, não será preciso
invocar estudos para perceber que, na quadra natalícia carioca, aumenta a
rotação nos motéis e que, com menos roupa, mais álcool, festas e a impunidade
das férias, rola sempre, por estes dias de celebração do nascimento do Menino,
uma sacanagem extra. Já em Portugal: a consoada, avós e tios, stress festivo,
sonolência, “Sozinho em Casa” na TV, um frio de rachar na viagem da casa de
banho para a cama, enfim, vamos assumir que lascívia, libido e luxúria, não são
as <i>L words</i> daestação. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria",serif; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> Há
muitos anos sonhava escapar da obrigação e da repetição natalícia, fugindo para
um país tropical. Concretizei o sonho, e talvez sejam resquícios do perene
dilema de António Variações – só estou bem onde não estou – ou então a inevitável
atração do eterno retorno, mas hoje, preparando-me para o quinto Natal
consecutivo de “Arrasta o chester”, trocava, num abrir e fechar de olhos, os
cinco minutos que demoro a chegar de casa à praia, pelas dez horas de voo até ao
cheiro das lareiras, dos pinheiros e do frio numa rua antiga que me faz falta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria",serif; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-86772458623497555622014-12-16T14:07:00.003+00:002014-12-16T14:08:40.472+00:00Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come - crónica publicada no Diário de Notícias<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZtqGYyJa5FsZv135F4zCY68ppXn-XKBCO31sNPAvHfa6nM-2xGvX_Ii5FgUBvocrgtPi1mpafvM8QxcwkINfqVnjkniZR9RNUUBMhWn9w4Bp42vI5Syu9c6jzVrEddQ0Usp2aZRe_-rc/s1600/images.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZtqGYyJa5FsZv135F4zCY68ppXn-XKBCO31sNPAvHfa6nM-2xGvX_Ii5FgUBvocrgtPi1mpafvM8QxcwkINfqVnjkniZR9RNUUBMhWn9w4Bp42vI5Syu9c6jzVrEddQ0Usp2aZRe_-rc/s1600/images.jpg" height="180" width="400" /></a></div>
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">O cão<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">O sono profundo é interrompido pelo ladrar da
cadela. Quatro e meia da manhã. Levanto-me, tropeço, e vou ver o que se passa
na sala. Digo-lhe que se cale, mas ela insiste, o pelo eriçado, uma rafeira de
guarda. Só então me aproximo da janela e vejo um homem do outro lado, tentando
entrar. Não recordo o que gritei – entre a obscuridade do sono e a surpresa de
um intruso, o cérebro não foi capaz de registar tudo –, mas lembro-me de que
eram dois e que desapareceram num ápice, pulando o muro, para o prédio vizinho,
com uma destreza de acrobatas chineses. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br />
Durante o
dia seguinte senti-me um bicho – não falo apenas da sensação física de
sobressalto com que, há milhares de anos, éramos acordados pelos predadores,
mas uma viscosidade estranha, o subconsciente a mil, uma inédita insegurança.
De dez em dez minutos uma pessoa é assassinada no Brasil, mas talvez porque os
ladrões não pareciam armados e fugiram de imediato, não foi um medo físico que
me dominou. Fui antes acossado por uma sensação de impotência e violação de
algo íntimo, como se o susto, a meio da noite, tivesse as qualidades invasivas
de um sonho no qual um carniceiro nos remexe as entranhas. Tal como há certas
emoções que apenas experimentamos nos sonhos – fugir de um assassino, cair de
um arranha céus, ser esfaqueado, matar alguém –, as emoções que perduraram em
mim recuperavam esse temor genético resultante da fragilidade e da desproteção
da espécie, algo uterino e primitivamente humano.</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"><br /></span></b>
<b><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">O gato<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Ela tem três gatos e um está muito doente.
Somos amigos há anos, moramos no mesmo prédio, e, quando me disse que teria de
sacrificar o gato, achei que deveria poupá-la e ofereci-me para essa missão
penosa. Imaginei-me sozinho, transportando a caixa, pensando “e se fosse a
minha cadela?”, ponderando se teria de ficar quando fosse aplicada a injeção
porque, afinal, aquele gato estivera no meu colo, dera-lhe comida e festas,
fora seduzido pela sua elegância negra e pelos tremores do seu ronronar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"><br /></span>
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Na hora marcada,
bati à porta da minha amiga. Apenas por acaso, eu vestia uma camisa preta e
assim que perguntaram “Quem é?”, juro que pensei: “É o carrasco”. Tenho, desde
o primeiro funeral em que participei, uma estranha maneira de lidar com a
morte. O meu humor perde toda a compaixão, sentido de oportunidade e fica
obscuro. É uma forma de enfrentar, por exemplo, os nervos e o desconforto de
transportar um gato, numa caixa, para que o possam matar. <b><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">O calor
humano<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Os dois acontecimentos aqui relatados
passaram-se na mesma semana e é fácil perceber porque se entrelaçaram na minha
cabeça e no meu estômago. Tendo em conta mais episódios estranhos e recentes na
minha vida, e num lugar espiritual como o Rio, uns diriam que se trata de mau
olhado, de uma fase energética ruim, de um mapa astral destrambelhado. Prefiro
acreditar no acaso, no calor tropical implacável e na tensão, exagero e
descontrolo que tomam o Rio de Janeiro entre dezembro e o fim do Carnaval. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"><br /></span>
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Faz agora
muito calor, um calor que enlouquece os termómetros nas praças, que empapa uma
camisa assim que a colocamos sobre a pele, que impede o sono e enfurece os
humanos. Uma cidade adversária. O crime aumenta, há apagões, tudo fica mais
caro. Há uma euforia crescente, que explode com os fogos de artifício no último
dia do ano. Há uma agressividade nos transportes, uma eletricidade feroz,
consumista e hedonista nas ruas – uma hiperbolização de tudo, o exagero de um
lugar exagerado. O verão no Rio é como as drogas duras. As primeiras vezes são
maravilhosas, mas, com o uso, a relação prazer/dor inverte-se. Nesta cidade é
preciso andar sempre com a guarda levantada. E, mesmo assim, somos derrotados
sistematicamente. Há qualquer coisa de trágico neste paraíso. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"><br /></span>
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Fosse
eu supersticioso e colocaria na porta o amuleto para o mau olhado que me
trouxeram da Turquia. Mas prefiro encontrar consolo e paz em saber que, por
vezes, mesmo que acompanhados, revisitaremos sempre uma antiquíssima sensação
de medo e de finitude – e julgamo-nos inapelavelmente sozinhos contra o mundo.
São fases. Tudo passa. Do acaso e da estranheza espreme-se um pouco de sentido
e, espera-se, de sabedoria. Escreve-se uma crónica, desamarram-se uns nós. Tudo
volta a ser como antes. E o gato, que até estava para morrer, afinal continua
vivo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-43120696949972485692014-12-08T17:30:00.000+00:002014-12-08T17:31:33.153+00:00O Papa e o Grande Líder, crónica de sábado, no Diário de Notícias<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxcHpFGOe9U2RUaMNu6slJthJEXe0ym6mJ7mLx185ysbRzXkuR1q9x29WQvVy6ThgEad9_-6Mf86N0JAezskvdV6IxKbX-Lg9n_aaQym03Hyp6yzytmrssp-fdzjhZ6pUHhR_IU3IwJCE/s1600/images+(1).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxcHpFGOe9U2RUaMNu6slJthJEXe0ym6mJ7mLx185ysbRzXkuR1q9x29WQvVy6ThgEad9_-6Mf86N0JAezskvdV6IxKbX-Lg9n_aaQym03Hyp6yzytmrssp-fdzjhZ6pUHhR_IU3IwJCE/s1600/images+(1).jpg" height="236" width="400" /></a></div>
<i><br /></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<i>Nota: esta não é uma crónica sobre futebol ou clubes, que nada me interessam. </i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Pinto da Costa foi recebido por José Eduardo
dos Santos. Uns terão pensado em Lex Luthor e Darth Vader, outros viram o Papa
e o Grande Líder. Tanto o presidente do FC Porto como o chefe de Estado
angolano têm longos e controversos reinados e uma imagem que oscila entre o
salvador e o vilão. Julgo que todos os portugueses poderiam oferecer uma
opinião sobre Pinto da Costa – a sua imagem tem pontos comuns seja qual for o
lado da barricada: um homem de sucesso, que transformou um clube de bairro numa
marca mundial, que ganhou tudo, e capaz de declamar poemas com o fulgor
romântico do século XIX. Mas tem também a imagem de um homem cujos métodos
levantam suspeitas, que usou metáforas simplistas em escutas, alguém que
pratica uma retórica infantil, maniqueísta, incentivadora do ódio (os mouros)
com fervor propagandista e esperteza estratégica. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Interessa-me
o que essa imagem de Pinto da Costa representa (seja ela correspondente à
verdade ou não) no imaginário do país, mas também o que diz sobre nós, porque
demasiadas vezes ouvi adeptos de outros clubes dizerem que não se importavam de
ter um presidente que agisse fora da lei, prepotente, provinciano e bélico,
desde que ganhasse os títulos que o FC Porto conseguiu nos últimos 30 anos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">O futebol é
uma reserva onde são permitidos fanatismos, burrice e engano – desde que se
marque o penálti a favor da nossa equipa. Suspendem-se os princípios e
aceita-se que apoiemos algo desonesto com a desculpa que precisamos de paixões
e catarse. Tal como parece normal que a imprensa reproduza, com dramatismo e
entusiasmo, as baboseira dos dirigentes, sublinhando sempre, mas sempre, a
ironia quando se trata de Pinto da Costa. Talvez, em tempos. Hoje, essa ironia
tem as qualidades cómicas e a pertinência dos Malucos do Riso. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Num texto,
após a visita a Luanda, Pinto da Costa vitimizava-se, exultava as autoridades
africanas e, claro, ironizava: “Sonhei que (em Angola) a imprensa se referia
com grande respeito ao FC Porto (...), que altas individualidades se tinham ido
despedir da nossa comitiva (...) Mas (...) tudo era passado e aterrara num
Portugal democrático em que se detém um primeiro-ministro ao aterrar no seu
país.” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Chegado da
impoluta e livre Angola, Pinto da Costa deve ter sentido que as suas liberdades
ficavam brutamente limitadas ao passar a alfândega de um país onde sempre foi
vítima e jamais teve reconhecimento, impunidade ou vénias institucionais. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">José Eduardo
dos Santos é presidente de Angola desde 1979. Chefes de Estado seus contemporâneos
que estão (ou estiveram) no poder durante décadas: Ali Khamenei, Irão; Robert
Mugabé, Zimbabwé; Teodoro Mbaso, Guiné Equatorial; Ali Saleh, Iémen. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">O progresso
e a melhoria de vida de um povo não são apenas as gruas e os arranha-céus que
Pinto da Costa elogiou em Luanda, contrapondo a pasmaceira de Portugal, onde
não ele lamenta não ver gruas nenhumas. O país africano é gerido como uma
oligarquia cleptocrata, em que as oportunidades e a riqueza são distribuídas
entre militares, burocratas e a família do presidente. As histórias de
ostentação e esbanjamento multiplicam-se há anos. O presidente pode mostrar
estradas, pontes e prédios altos, mas 70% da população sobrevive com dois
dólares por dia e o país ocupa o 161</span><span style="background: white; font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-bidi-font-family: Arial; mso-hansi-theme-font: major-latin;">º</span><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> lugar (em
176) no índice de perceção de corrupção da Transparência Internacional. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> Em
2010, entrevistei um angolano que, fugido de Angola, dizia ter sido ameaçado de
morte. Luís Araújo pertencia à SOS Habitat, que queria
impedir a<strong> </strong>destruição de milhares de casas de gente pobre para
se construírem condomínios de luxo. Dizia: “(A elite governamental) serve-se
bem da hierarquia e do culto do chefe para preservar o poder. E é com essa
gente que se quer construir uma democracia? Isso é querer que um jindungueiro
dê laranjas doces.”</span> </div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Dias depois
de Pinto da Costa ter sido tratado em Luanda como acha que não o tratam em
Portugal, Laurinda Gouveia, que participava num protesto contra o governo
angolano, foi detida, agredida (com as mãos algemadas) e questionada: “Porquê
tanto ódio contra o presidente?” </span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Que não existe
liberdade de expressão em Angola não é novidade, mas, no último ano, dois ex
jornalistas do i disseram-me que, nesse diário, não se podiam escrever textos
que beliscassem os interesses angolanos. A ser verdade, e acredito que seja, é
grave. Não estou certo de que os capitães de Abril tivessem feito uma revolução
a pensar no futuro da liberdade de expressão em África, mas foi o golpe em
Lisboa que despoletou a independência de Angola e, esperava-se, a democracia
angolana. Não deixa de ser perversamente cómico que uma empresa de comunicação angolana,
proprietária do i, censure um jornal português e nos faça recuar 40 anos.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Consta que o
realizador John Ford, quando confrontado com algo inequivocamente errado, tinha
apenas um argumento, que lhe saía das entranhas: “<i>Somethings are <u>just</u> wrong</i>.” Foi nessa frase que pensei
diante da fotografia do presidente do FC Porto com Eduardo dos Santos e do
título: “Angolanos elogiam Pinto da Costa e dizem que é exemplo a seguir.” <o:p></o:p></span></div>
Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-63238414874210957942014-12-01T11:06:00.000+00:002014-12-01T11:09:56.782+00:00Portugal por um canudo <div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0WrTjEBG_qvgbNYKLwWhoUNk2A6kXVoDz99kJtAOO7xNr1YOTqC_ltIzjJZjiGMSOXk2i8qWbgJ8d0SoLcxScAYsc-L_WwHu5gU46wICLL9CgvPlU0ZavHWKH0W4vHbNMT4LGQSKb1Xw/s1600/opiniao-jose-socrates.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0WrTjEBG_qvgbNYKLwWhoUNk2A6kXVoDz99kJtAOO7xNr1YOTqC_ltIzjJZjiGMSOXk2i8qWbgJ8d0SoLcxScAYsc-L_WwHu5gU46wICLL9CgvPlU0ZavHWKH0W4vHbNMT4LGQSKb1Xw/s1600/opiniao-jose-socrates.png" height="207" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">1<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Sábado de manhã, bem cedo, corri com a minha
cadela, pelo calçadão, e depois tomei um sumo de tangerina. O sol da primavera
carioca atravessava tudo com um brilho cristalino. Era um dia bonito. Cheguei a
casa e abri a página online deste jornal, ficando a conhecer a detenção de José
Sócrates e iniciando de imediato, como a maioria dos portugueses (imagino), um
período intensivo de consumo de notícias sobre o caso. No entanto, porque vivo
a oito mil quilómetros de Portugal, a minha perceção do que se passa é
constrita pelo canudo da internet – jornais, telejornais, redes sociais etc. E,
desligada a conexão, regresso ao mundo que, de facto, me rodeia: o Rio de
Janeiro – seja na sua beleza praiana e solar ou nos seus problemas ancestrais e
endémicos, que fazem as chagas de Portugal parecer arranhões. Não é que a
detenção de um ex-primeiro-ministro do meu país não seja de primordial
importância, ainda mais se tivermos em conta a personalidade em questão e todo
o simbolismo do seu legado e da sua prisão, mas, com um oceano pelo meio, e
recebendo a informação através da internet, esta semana revelou-me, como já
acontecera antes, um país novelesco e cómico, passionalmente palavroso, em que
o ciclo de notícias de 24 horas parece desenrolar-se como um <i>reality show</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">2<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Os diretos de TV a encher chouriços são
ingratos para os jornalistas. A voracidade da informação resulta em redundância
– repetem-se as mesmas coisas vezes infinitas – e desemboca numa obsessão com o
nada, como o repórter que insistia na palavra “movimentações” e, no meio de
tanta tautologia e gaguez, exultou de alívio ao ver um carro aproximando-se da
prisão onde, eventualmente, ficaria Sócrates – não ficou. Além da obsessão com
as “movimentações” de veículos, há também uma fome de detalhes gastronómicos –
as pausas para almoço dos advogados, o cozido à portuguesa com que o ex-primeiro
ministro se estreou na cadeia e o menu do restaurante onde almoçava em Paris.
Depois, claro, há os maluquinhos da celebridade instantânea, que se colam aos
repórteres, e sabotam o seu trabalho, para aparecer na TV. Se é para termos entretenimento
informativo <i>non stop</i>, então gostaria
que um desses jornalistas tivesse a iniciativa de pedir licença aos
telespectadores e, fazendo uma pausa, fosse espetar uma galheta de professor da
quarta classe antiga numa dessas figuras (estou sozinho nesta pulsão?). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">3<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">No Portugal visto por um canudo, julgo
encontrar um país que quer mais justiça do que vingança (posso estar enganado),
ainda que, se alguma coisa se conhece dos homens, seja ingénuo fingir que uma
condenação não providenciaria o primário prazer do ajuste de contas – com
Sócrates e com todos os podres do regime nos últimos 40 anos. Outros
protagonistas da política poderiam certamente estar no lugar de Sócrates,
dificilmente outro representaria tão bem o papel do cordeiro de deus que,
sacrificado, tira o pecado do mundo. Pode ser lamentável, injusta, exagerada,
mas é uma pulsão de purga, previsivelmente humana e explicada por Clemenza a
Michael Corleone, em “O Padrinho”: “É provável que as outras famílias se
juntem, contra nós. Está tudo bem. Estas coisas têm que acontecer. É uma
maneira do nos livrarmos do mau sangue”.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">4<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Prefiro, sem hesitar, que um homem inocente
custe a seriedade e o prestígio da Justiça do que condenar quem não tem culpa
para salvar a cara do sistema. Respeito a presunção de inocência como respeito
a liberdade de expressão. Mário Soares, que lutou e se sacrificou para que
tivéssemos ambas, escolheu achar que Sócrates é alvo de uma “infâmia”, de um
esquema organizado por “malandros”, e, portanto, inocente. Também disse que
todo o processo era uma “bandalha”, exercendo o seu direito de liberdade de
expressão. É verdade que quem escreve nos jornais, como eu, deverá mostrar um
cuidado que não se tem com os amigos, falando sobre o tema, ao ritmo da
cerveja. Mas isso não implica que eu tenha de anular o meu pensamento dedutivo,
ainda que saiba que ele não substitui nem é mais válido do que o tão mencionado
“regular curso da justiça”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">5<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Esta semana, usando o tal pensamento dedutivo
e um pouco de imaginação, pensei no escritor John Le Carré a ler os jornais e a
anotar os primeiros apontamentos para um romance: “Primeiro-ministro, estudante
de filosofia em Paris. Amigo de Hugo Chávez. Empresa construtora com negócios
na Venezuela (onde trabalha um amigo de infância do primeiro-ministro, com uma
conta de X milhões, na Suíça). Farmacêutica com negócios na América do Sul. Um
super juiz de cognome Herói dos Tabloides. Epígrafe do livro – frase do
protagonista: “A prepotência atraiçoa o prepotente”</span><br />
Título
provisório: Cicuta.</div>
Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-79544566361713839702014-11-25T19:37:00.001+00:002014-11-25T19:37:37.482+00:00Dança da solidão - crónica publicada no Diário de Notícias<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_KgDdnw6ZenfUx1StA-uhqq-AsKa2VQuKekC3VyZugjLoyiKqTV1Rj3Q2SUmzkZ1CqZzH8_XPektrNNQYePw35R_h2qyJTqssLW2x4ypL_PIeLeRZdPjMC20n23geLhgg5MRDmR1RuLo/s1600/download.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_KgDdnw6ZenfUx1StA-uhqq-AsKa2VQuKekC3VyZugjLoyiKqTV1Rj3Q2SUmzkZ1CqZzH8_XPektrNNQYePw35R_h2qyJTqssLW2x4ypL_PIeLeRZdPjMC20n23geLhgg5MRDmR1RuLo/s1600/download.jpg" height="224" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Retrato de
rapariga<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Está sentada a meu lado, bonita, jovem, um <i>piercing</i> no nariz. Passam as estações de
metro e ela não tira os olhos do reflexo do seu rosto no telemóvel – não se
trata de um espelho, mas da câmara que serve para ensaiar a sua beleza. O
comboio lasca a escuridão das entranhas do Rio, e ela prossegue, agora fazendo
dezenas de <i>selfies</i> – beicinho e olhos
de <i>eyeliner</i>. No resto do vagão, mais
pessoas olham para os seus insetos eletrónicos, mantendo contacto com o mundo exterior,
teclando para prosseguirem sempre presentes, para existirem continuamente
diante de uma audiência que não veem. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> Ninguém
quer estar sozinho, o cérebro liberto, um minuto de sossego. A promoção
permanente do eu tornou-se compulsiva. Tudo o que fazemos, pensamos ou
fotografamos é suscetível de nos engrandecer se ampliado no éter do ciberespaço
– uma patética ilusão de eternidade e de autoimportância. Esse egocentrismo e essa
alienação impedem, por exemplo, o entendimento do que deveria ser tão óbvio:
usar o telefone enquanto conduzimos implica o risco da própria morte ou de
matar alguém. No entanto, nem a possibilidade de morrermos impede a burrice de
teclar ao volante. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Lições de um
comediante ruivo<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Louis C.K., humorista norte-americano, diz
que as suas filhas pequenas não têm telemóveis porque ele os considera tóxicos,
viciantes, sabotadores da empatia e das relações com os outros – quantas vezes o
nosso interlocutor olha para o aparelho e agita os dedos como pernas de
centopeia em vez de nos prestar atenção? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> “Precisamos
da habilidade de estar sozinhos, apenas estar, sem fazer outra coisa ao mesmo
tempo. Foi isso que os telemóveis nos roubaram, porque agora queremos saber o
que se passa a todo o momento.” Numa entrevista, o comediante contou que sentiu-se
melancólico ao ouvir Bruce Springsteen na rádio do carro. Pensou pegar no
telefone, postar o que sentia, enviar uma mensagem, mas concluiu: “Não lhe
pegues, fica triste, deixa que a tristeza venha e te atropele como um camião.”
Parou o carro, chorou muito. “Há beleza e poesia na tristeza. Estava feliz por
me ter sentido triste. Depois do choro há uma felicidade, temos anticorpos para
a tristeza, é uma espécie de <i>trip</i>.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> Hoje,
impedimos a plenitude das emoções humanas porque mitigamos e filtramos tudo com
os telefones, os computadores, a incessante necessidade de uma conexão. “Nunca
nos sentimos completamente tristes ou felizes”, diz Louis C.K., “apenas contentes
com os produtos que temos”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Os
escravizados<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">A velocidade da vida não está em sintonia com
a rapidez da internet. Não falo do quotidiano, também acelerado, mas do arco da
existência – a dor, a superação, a perda, as epifanias, a derrota, o
processamento de tudo aquilo que passa por nós e não pode ser medido em <i>likes</i> ou <i>bytes</i>. Talvez o ofício de escritor e editor me tenha ajudado a
entender a discrepância entre a velocidade fragmentada a que funcionam hoje os
nossos cérebros e o movimento de rotação da existência. Um livro, para ser
pensado, escrito e editado, precisa de tempo e paciência. O aceleramento do processo,
sem ponderação, trabalho e amadurecimento, deixa os livros aquém do que
poderiam ser. E é isso que julgo que acontece hoje com as nossas vidas –
ficamos aquém, nem completamente felizes, nem completamente tristes. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">` Num
jantar de grupo há sempre o clube do iPhone. Tenho vários amigos que não se
sentam na retrete sem um <i>tablet</i> que
os distraia. Nos pontos de ônibus ou na fila do banco parece que já ninguém
consegue apenas esperar. Os momentos a sós são escassos – falta tempo para
interpretar, ponderar e sentir sem cuidados paliativos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">(Mais de
metade dos livros que leio são digitais. Oiço música no Spotify. Vejo TV na
internet. Sou assinante de <i>e-papers</i> e
tenho um <i>smartphone</i> – mas só ligo a
internet em caso de necessidade, o que é raro, e o aparelho fica muitas vezes
desaparecido sem que lhe preste atenção, porque não me apetece, nem sinto a
obrigação, de estar sempre disponível ou visível. Não estou a par dos temas do
dia no Facebook e nem por isso sinto que esteja em falta ou a perder algo
importante.) <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Não sou tão
velho para renunciar a tecnologia nem tão controlador que tenha de decretar os
hábitos dos outros. Mas lamento o alheamento constante e a falta de concentração
por mais de dois minutos, a incapacidade do silêncio, do sossego, da divagação,
de não fazer nada, ou essa ideia de que a vida se desata com a facilidade com
que se atualiza o status na rede social. As benesses da tecnologia são uma
dádiva, mas estão aqui para nos servir e não para nos escravizar. É por isso
uma pena que os <i>smartphones</i> revelem
agora tantos <i>stupid users</i>. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-61221292396354393972014-11-19T10:50:00.002+00:002014-11-20T12:19:17.117+00:00Cadernos de Buenos Aires - crónica publicada no Diário de Notícias<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBbMyC2_aMff0TACkCOvIUOF-Zgz-Oxb8rpMqLGvTqjlJAr6r5XARdAB6SshzCPg4gDTnIb9lN7GpmBCm3e4i1WORyURNhREFXa_8YKVezVf0ekX1Yk1oVOO9RPLZmOg8shWxTEvEtvcw/s1600/jacaranda3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBbMyC2_aMff0TACkCOvIUOF-Zgz-Oxb8rpMqLGvTqjlJAr6r5XARdAB6SshzCPg4gDTnIb9lN7GpmBCm3e4i1WORyURNhREFXa_8YKVezVf0ekX1Yk1oVOO9RPLZmOg8shWxTEvEtvcw/s1600/jacaranda3.jpg" height="260" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"><br /></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"><br /></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<i><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"><br /></span></i>
<i><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Para a
família Bridger</span></i><b><i><span style="font-family: "Cambria","serif"; font-size: 18.0pt; line-height: 115%; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"><o:p></o:p></span></i></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"><br /></span></b>
<b><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Os
jacarandás em flor <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"><br /></span>
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Buenos Aires não é como Nova Iorque, que
parece familiar logo que pisamos a cidade. Ainda assim, diz-se que esta é a
capital mais europeia da América do Sul, que as fachadas são de Paris, certas
ruas parecem Madrid e que os parques são londrinos. Precisamos sempre de buscar
familiaridade, comparar o novo com o que conhecemos. Mas Buenos Aires
pareceu-me tão singular e inédita como os infinitos jacarandás – púrpuras,
roxos, rosa – que, por toda a cidade, tornam ainda mais celeste o azul do céu.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"><i>La abuelita
de hierro<o:p></o:p></i></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"><br /></span>
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">A ditadura argentina (1976-83) reservou todos
os eufemismos para o nome com que se autobatizou – Processo de Reorganização
Nacional –, porque em tudo o resto era bruta, implacável e canalha. Logo no
primeiro ano, o marido de Estela Carlotto foi sequestrado por militares, que
exigiram um resgate (pago) ainda que o raptado não tivesse atividade política.
Depois foi Laura, a filha, opositora do regime, que desapareceu. Estela
encontrou-se com um militar de alta patente, que lhe disse que não voltaria a
ver a filha. Confirmou-se a sentença. Contrariamente a muitas outras mães,
Estela recebeu o cadáver de Laura – 30 mil argentinos “desapareceram”– e, anos
mais tarde, mandou exumar o corpo. A autópsia provou aquilo que Estela já
ouvira de uma ex presa da ditadura, que a informara que a filha estava grávida
antes de morrer e que lhe tinha dito que, caso fosse um rapaz, lhe chamaria
Guido, como o avô paterno. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> Durante
mais de trinta anos Estela procurou o neto e ajudou outras avós a encontrar as
crianças roubadas, de mulheres grávidas e mães recentes, para serem entregues a
famílias de adoção – muitas delas de militares. Até 2014 foram encontrados 113
bebés (agora adultos), graças um banco genético argentino, que desenvolveu uma
fórmula para apurar o que chama de “<i>índice
de abuelidade</i>”, estabelecido entre netos e avós, uma vez que os pais dessas
crianças estão mortos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Estela é
presidente das Avós da Praça de Maio, associação conhecida por reivindicar o
paradeiro dos netos e o julgamento dos culpados. Em Agosto, a Argentina sentiu
na pele a resolução de uma angústia e de uma luta de 36 anos, um desses
momentos coletivos em que se desata um nó e todos (ou quase todos) torcem pelo
mesmo lado. Tinham encontrado a 114</span><span style="background: white; font-family: Cambria, serif;">º</span><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> criança sequestrada. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Ignácio,
músico, já tocara em concertos organizados pelas Avós da Praça de Maio.
Descobrira recentemente que fora adotado e registou o seu ADN no banco
genético. Quando chamaram Estela, com 83 anos, pediram-lhe que se sentasse. Só
depois deram a notícia. Ela disse: “</span><span style="font-family: "Cambria","serif";">O
meu neto? Vou poder abraçar meu neto? Devolveram-me parte da minha filha.”
Depois de conhecer a avó, Ignácio acrescentou Guido ao seu nome. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Cem pesos<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"><br /></span>
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Qualquer argentino é um analista económico e
financeiro. Falar de política é como beber mate ou comer churrasco. Não me
refiro à fama de povo aguerrido, educado e politizado, mas a algo palpável que
resulta da necessidade do dia a dia – e da história recente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Depois de
mais de três anos a viver no Brasil, percebi que os problemas deste continente
fazem a crise europeia parecer uma dor de dentes – no Brasil, uma pessoa é
assassinada a cada dez minutos. Um carioca, mostrando a diferença entre as
nossas vivências, perguntava-me “Você já teve racionamento de carne</span><span style="font-family: "Cambria","serif";">?</span><span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> Os
últimos 40 anos da Argentina foram uma montanha russa lancinante. Mas todos os
governos, democráticos ou ditatoriais, tiveram uma coisa em comum. Pediram
muito dinheiro emprestado. E não pagaram. A palestra de uma amiga porteña, num
café do Rio, ajudou-me a entender uma coisa: a volatilidade com que se viveu e
vive na Argentina é estranha para um português que, apesar da crise recente,
cresceu num país estável em que a qualidade de vida foi sempre a subir durante
quase 40 anos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> Num
banco um dólar vale oito pesos. Nas “consultoras” ou “cuevas” são 14 pesos. Os
taxistas queriam que trocasse os meus dólares pelos seus pesos. O dinheiro
argentino desvaloriza, a inflação anual está nos 40 por cento, o governo
manipula os números, e, apesar disso, há um impulso consumista, gastar hoje
porque amanhã vai valer menos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Um porteño
ensinou-me todos os passos para identificar uma nota falsa de cem pesos – largamente
disseminadas. Já no aeroporto, de regresso ao Rio, a menina da caixa alertou-me
para o defeito de uma nota e, gentilmente, pediu-me desculpa, como se temesse
que eu fosse embora mal impressionado. Não fui. Porque mesmo perante notas
falsas, relatos de amigos que tiveram de buscar a vida fora da Argentina e
histórias da selvajaria da ditadura, Buenos Aires parece existir ainda e
sempre, pelo menos na minha imaginação, de acordo com um louvável postulado de
Hemingway: graciosidade sob pressão. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-72362039677081505462014-11-14T10:21:00.001+00:002014-11-14T10:22:35.413+00:00O cadáver de Evita <i>(Crónica de sábado passado, no Diário de Notícias. Para ler as crónicas no dia em que saem, é só assinar a versão digital - 9 euros ao mês.)</i><br />
<i><br /></i>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-FEcKwx9uHZr-JvP-1N23sLMx5wZ02kU_LgFyIlfIlk-aahmnLXj7TgZ_etlSWI9pAgEYg_Tyq_BY5gXK0T19gXer3fnqAamlHWLl5VzGCJyUdPgH6IZY0oaeWi03NVE5nYtQPXO5yPU/s1600/unnamed+(1).jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="212" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-FEcKwx9uHZr-JvP-1N23sLMx5wZ02kU_LgFyIlfIlk-aahmnLXj7TgZ_etlSWI9pAgEYg_Tyq_BY5gXK0T19gXer3fnqAamlHWLl5VzGCJyUdPgH6IZY0oaeWi03NVE5nYtQPXO5yPU/s400/unnamed+(1).jpg" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; font-size: large; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">O cemitério da Recoleta, em Buenos Aires –
com os seus jazigos megalómanos e suficiente estatuária para atafulhar um museu
–, é um legado da grandiosidade e da fortuna de outros tempos. Uma cidade dos
mortos, com as moradas egrégias de clãs que podiam protagonizar romances
históricos de vários tomos. O luxo do mármore italiano e a decadência das
cúpulas. Os monumentos aos heróis da nação e os vitrais despedaçados. E, para
quem visita, há ainda o bónus de um assombroso sentimento de viagem no tempo e
de pequenez existencial.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; font-size: large; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Mas o
presente impõe-se ao passado, mais atual do que nunca, e a cultura das
celebridades e da documentação constante da vida é expressa diligentemente
pelos turistas diante do mausoléu de Eva Perón. Agitados como se num concerto
de Madonna, engatilham telefones e tablets, e fotografam o jazigo, encostando o
próprio rosto a uma Evita de pedra, incrustada na parede.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; font-size: large; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">O espectro
peronista e a sua herança nos últimos 70 anos da história da Argentina não
caberiam numa crónica. Mas, porque me faz espécie que se confunda um cemitério
com a Disneylândia ou um treino da seleção, e porque ainda acredito que viajar
serve mais para aprender do que para atualizar o Facebook a cada cinco minutos,
não pude deixar de sentir uma revolta com os mirones da selfie, bem como uma
solenidade estranha, mas desejável, ao pensar na proximidade do cadáver de Eva
Perón – a mesma que senti ao ver a mudança da guarda no túmulo do libertador
das Américas, José San Martín. Não tanto porque me tremam os joelhos diante de
celebridades – póstumas ou vivas –, mas porque aquele corpo embalsamado faz
parte da novelesca, e profundamente dolorosa, história da Argentina. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; font-size: large; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> Evita
morreu em 1953, o seu corpo foi embalsamado por um mestre espanhol e guardado
no edifício da Confederación General de Trabajadores. Mas a ditadura –
poeticamente designada “Revolución Libertadora” (1955-58) –, que colocaria Juan
Perón no exílio, quis impedir o culto ao maior símbolo do peronismo – Evita – e
um grupo liderado por Carlos Moori Koening, chefe dos serviços de inteligência,
sequestrou o corpo numa carrinha de flores. Embora o presidente Aramburu
tivesse pedido um enterro cristão, o corpo foi guardado na casa de um amigo de
Moori Koening, o major Arandía. Certa noite, Arandía viu uma silhueta e julgou
ser um comando de peronistas em busca do cadáver. Descarregou a pistola,
matando a sua mulher grávida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; font-size: large; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Moori
Koening tentou então levar Evita para casa. Não o deixaram. Segundo a filha: “O
meu pai queria trazê-la, mas a minha mãe ficou ciumenta.” Moori Koening manteve
Evita, enfiada numa caixa, no seu escritório, durante quase um ano, até que as
histórias de deboche com o cadáver começaram a circular e o general Aramburu
afastou Moori Koening e ordenou o “Operativo Translado”, que secretamente levou
Evita para um cemitério de Milão. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; font-size: large; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> Durante
14 anos ninguém soube onde estava o cadáver, até que, em 1970, os Montoneros –
grupo radical peronista – sequestrou o ex-presidente Aramburu, obrigando-o a
confessar onde se encontrava Evita. Julgado sumariamente pelos captores, Aramburu
foi executado com três tiros. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; font-size: large; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> O
governo argentino, sob pressão popular e dos Montoneros, entregou o corpo de
Evita ao marido, exilado em Espanha. Em 1973, Perón regressou à Argentina e
ganhou as eleições presidenciais, mas, ao fim de um ano, morreu de ataque
cardíaco e foi substituído pela terceira mulher, Isabel Perón. No ano seguinte,
os Montoneros voltaram a usar o general Aramburu para reclamar o corpo de
Evita. Roubaram o cadáver do ditador e só o devolveram quando Isabel Perón
trouxe Evita de volta a Buenos Aires, em 17 de novembro, dia do militante
peronista.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; font-size: large; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> Em
1976, outra ditadura – responsável pelo desaparecimento de 30 mil pessoas e
cujos abusos incluem, entre muitos outros, raptos de crianças e assaltos à mão
armada – tomou conta da Argentina e os seus dignitários debateram longamente
sobre que destino dar a Evita. Ponderaram lançá-la de um avião para o mar, como
faziam com as suas vítimas, esventrando-lhes a barriga, ainda vivos, para que
fossem rápida e inapelavelmente para o fundo do oceano. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; font-size: large; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;">Quando
perguntaram a um assessor de Videla – ditador que, como tantos outros, tinha
cara e bigode de facínora – porque haviam deixado Evita no jazigo da Recoleta,
ele disse: “Talvez porque ela seja a única de quem sempre – mesmo depois de
morta – tivemos medo”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Cambria","serif"; font-size: large; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"> Hoje,
Evita é estrela de musicais, presença estampada em “recuerdos” e figura de
espetáculos de tango. A sua cara aparece também nas notas de cem pesos – amplamente
falsificadas na Argentina.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-21804045395540340692014-11-08T11:07:00.001+00:002014-11-09T12:56:46.872+00:00Postais dos Trópicos<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Depois de três anos adormecido, este blog volta para, sempre com uma semana de atraso, publicar as minhas crónicas - Postais dos trópicos - no Diário de Notícias. </span></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif; line-height: 20px;"><br /></span></div>
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><span style="background-color: white; line-height: 20px;">O jornal decidiu que as colunas de opinião só poderão ser lidas por assinantes. Não há jornalismo de qualidade de graça. O e-paper é apenas 9 euros por mês. Mesmo que só leiam as minhas crónias, dá 2,25 euros por crónica, e se acharem caro dividam os 9 euros pelas 30 crónicas mensais do Ferreira Fernandes. O jornal está em mudança, tem um excelente diretor, vale a pena. Para assinar </span><a href="http://www.lojadojornal.pt/LojaDoJornal/pages/assinaturas-dn.xhtml" style="line-height: 20px;">clique aqui.</a></span></div>
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">
</span>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, 'Times New Roman', serif;"><br /></span></div>
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Para já ficam aqui as crónicas publicadas até agora. </span></div>
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">
</span>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br />
</span></div>
<div style="text-align: center;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">...</span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<b><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: x-large;"><br /></span></span></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<b><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: x-large;"><br /></span></span></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<b><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: x-large;"><br /></span></span></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<b><span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: x-large;">Romance Policial</span></span></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: x-large;"><br /></span></div>
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiEAuGKL0Ua-FjfIMqHWjp7eOLn__fOV27WVmu-aul7wHu4oO3ZgmaS5GGYHEfs-JhC6aE6tThltEarqFG3vbScMK2rssJCwTDUyKmwJKe23ZOrk_-jc2FXzKidXggvnDTtJiJHYVLmJUc/s1600/images.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiEAuGKL0Ua-FjfIMqHWjp7eOLn__fOV27WVmu-aul7wHu4oO3ZgmaS5GGYHEfs-JhC6aE6tThltEarqFG3vbScMK2rssJCwTDUyKmwJKe23ZOrk_-jc2FXzKidXggvnDTtJiJHYVLmJUc/s1600/images.jpg" /></span></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">O caso von Richthofen<o:p></o:p></span></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Suzane: a herdeira loira e sagaz, de boca
carnuda e cintura estreita. Daniel: o rapaz mediano da Classe C paulistana, que
desistira de tirar Direito por causa do aeromodelismo. Viviam cosidos pela boca
e pela ilharga. Faziam tudo juntos. As notas de Suzane descambaram. O casal
passava as tardes em motéis, amor maconheiro, room service, espelhos no teto. Suzane,
com 19 anos, pediu um apartamento ao pai para ir morar com Daniel. Manfred<b> </b>von Richthofen, que se opunha ao
namoro, disse que não. No Dia da Mãe, quando ela se recusou a almoçar com a
família e o insultou, Manfred estreou-se na tarefa paternal do bofetão. Nunca
tinha batido na filha. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Suzane
fugiu, mas voltou, sem o anel que Daniel lhe oferecera – ainda que fosse ela
que o sustentasse. Passaram ao namoro clandestino e montaram um plano. Recrutaram
o irmão de Daniel – Cristian, um truculento cheirador de cocaína, de torso tatuado
e passagens pela polícia. No dia 31 de outubro de 2002, os irmãos subiram ao
primeiro andar da mansão com luvas de látex – separadas por Suzane do
inventário da mãe, médica. Os pais dela dormiam. No piso de baixo, a filha disse
não ter ouvido as barras de ferro e os baques de traumatismo craniano, repetidos,
grossos, definitivos com um pizzicato de contrabaixo.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Paulino
Boto, polícia: “Ela perguntou como estavam os pais. Quando eu disse (mentindo) que
estavam bem, ela ficou espantada. ‘Como?’ É um crime de amadores.” <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Antes de
tirar uma foto para Departamento de Homicídios, Suzane penteou-se e perguntou a
Daniel: “Estou bonita?” <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">O caso Kitano<o:p></o:p></span></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Elize foi enfermeira antes de ser prostituta.
Saiu do desterro de Copinzinho, no interior do Paraná, e mandou-se para a
metrópole babilónica dos 20 milhões de habitantes. São Paulo do anonimato, onde
a internet dispensa chulos e amplia o negócio. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Marcos
Kitano, casado, escolhido pelo avô para presidir o império alimentício Yoki, descobriu
Elize num site e pagou para ver – e tocar. Foram amantes durante três anos, até
que Marcos se separou da mulher e, logo de seguida, bancou um casamento para
300 convidados.</span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; text-indent: 35.4pt;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; text-indent: 35.4pt;">Elize descobriu
rapidamente o sentido do adágio “Nas costas dos outros vejo as minhas” – Marcos
era tão infiel com fora com a primeira mulher. Ela contratou um detetive. Disse
ao marido que ia visitar a mãe. Esperou a volta do correio em Copinzinho. Chegaram-lhe
as fotos. Marcos a entrar no Hotel Mercure para o fellatio da tarde. Marcos
manjando um steak Diana e bebendo Malbec com a amante no Alucci Alucci. Marcos voltando
ao hotel para a faena noturna.</span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"> </span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Elize
regressou a São Paulo e dispensou a empregada. Marcos fez o último telefonema
da sua vida no dia 6 de Julho de 2012 – para o pai – antes de levar um tiro de um
revólver 38 na cabeça. Elize desmontou o corpo com uma faca de cozinha. A filha
dormia e ela esperou a chegada da babá para sair com três malas. As câmaras do
prédio também gravaram o regresso – sem bagagem. Na estrada, tinha sido parada
numa operação de rotina. Mas o polícia não mandara abrir a bagageira. Os destroços
do cadáver de Marcos apareceram nos arredores de São Paulo. Elize confessou o
crime – ciúmes, paixão, vingança. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; text-indent: 35.4pt;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; text-indent: 35.4pt;">Natália,
nome de guerra Lara, garota de programa e amante do falecido, tinha direito a
uma mesada de 9 mil euros e recebera um carro de 25 mil – igualzinho ao que
Marcos oferecera a Elize.</span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">O caso Sandrão<o:p></o:p></span></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Sandra Ruiz Gomes chegou a Tremembé,
transferida de outro presídio, com 27 anos de pena e mais três meses por
agredir um guarda. Barra pesada, conhecida como Sandrão, raptara um adolescente,
com três homens, em 2003. O crime acabara com o pagamento do resgate – apenas
mil euros – e o refém Talison Castro, 14 anos, descartado com um tiro na
cabeça.<span style="text-indent: 35.4pt;">Sandrão
veste-se como um homem, tem cabelo curto, disciplinado com gel, e apesar da
fama de quebra ossos veste um smoking e faz de mestre de cerimónias nos
desfiles de moda na prisão.</span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Este ano,
Sandrão, que vivia maritalmente com Elize Kitano na ala de casais de Tremembé, deixou-a
e passou seis meses na ala comum – essas são as regras da prisão –para poder voltar
a viver numa cela para casais com o seu novo amor: uma loira de lábios polposos
que já tinha sido a razão da rixa entre duas guardas, que a disputavam. Um
procurador foi até suspenso por tentar seduzi-la. Essa mulher, condenada a 39
anos, tornara-se religiosa na cadeia, mas deixou a ala das evangélicas e
abdicou do regime semiaberto para poder casar-se com Sandrão. Essa mulher é a
supervisora de Sandrão e de Elize na fábrica de roupa da prisão. Chama-se
Suzane von Richthofen e, quando tinha 18 anos, o pai depositou na Suíça, em seu
nome, sem ela saber – porque era dinheiro de corrupção e desvios – 30 milhões de euros.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"> <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">... </span></div>
</div>
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><span style="text-align: justify;"> </span> </span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><span style="font-size: x-large;"><br /></span>
</span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; line-height: 115%;"><span style="font-size: x-large;">Os pobres </span><span style="font-size: large;"><o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicT3hV_wSn-Boz-vtShYRRD_fCfMX3WgiT_u-14Xedw8lviOgtDLzcRvrqIzDmvC7_HDijqEvzc8NHljZQ_n_SR_BuM7oxx4rT7qx5u7J4ZVL48R39GZD6OjBhPL9_ZWGD7-GZiH5yzqE/s1600/images+(1).jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEicT3hV_wSn-Boz-vtShYRRD_fCfMX3WgiT_u-14Xedw8lviOgtDLzcRvrqIzDmvC7_HDijqEvzc8NHljZQ_n_SR_BuM7oxx4rT7qx5u7J4ZVL48R39GZD6OjBhPL9_ZWGD7-GZiH5yzqE/s1600/images+(1).jpg" /></span></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 18pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 18pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">No Brasil ser pobre é foda – não no sentido
positivo do termo (algo de bom, como “Aquele Zico era muito foda”), mas num
sentido fadista, de destino traçado na palma da mão, um estigma quase sempre
vitalício. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">No Brasil,
pobre não tem direito a artigo nem plural. Só “pobre”. Um dia disseram-me: “Não
vou na praia, está cheia de pobre.” Pobre é desdentado. Mesmo o astro literário
Nelson Rodrigues – que vestia o mesmo casaco puído dias a fio e que tinha mil
trabalhos para pagar as contas – não conservava um dente na boca antes dos 40.
Mas os pobres – mesmo pobres – que não mudaram a dramaturgia do Brasil como
Rodrigues, sempre foram desdentados perpétuos sem esperanças de glória ou justiça,
párias cujo desmerecimento e a exclusão vão muito além da falta de dentes. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">“Pereba,
você não tem dentes, é vesgo, preto e pobre, você acha que as madames vão dar
pra você? Ô Pereba, o máximo que você pode fazer é tocar uma punheta”, diz uma
personagem em Feliz ano Novo, de Rubem Fonseca. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Pobre é
preto – mesmo quando é branco. Pobre vale menos. Às vezes vale nada. A
escritora americana Julia Michaels, com 30 anos de Brasil, escreveu que uma
mulher fofocava com as amigas sobre o namoro da sua empregada e, quando
perguntaram se a empregada era bonita, a patroa respondeu: “Para <i>eles</i> é”. Nós e eles. Quem manda e quem
obedece. Os privilegiados e os “fudidos”, como por vezes se escreve no Brasil,
uma vez que há aqueles que nem merecem a vogal certa. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Questionei
uma amiga sobre o motivo de alguns anúncios de TV terem o som bastante mais
alto do que os restantes. “Porque é anúncio para pobre”. Pobre viaja esmagado
em ônibus sem ar condicionado. Pobre morre porque o médico não apareceu no
hospital. Pobre não vale um tostão furado para a polícia. Pobre causa mais
repulsa que compaixão. Pobre diz, sobre o vereador, o prefeito, o pastor: “Ele
rouba, mas faz”, uma subversão a condescender porque, por norma, nunca ninguém
faz nada pelo pobre. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Os
norte-americanos têm nigger, kike, spick, chink, guinea, tudo epítetos raciais.
Em Espanha chamam sudacas aos sul-americanos (certo dia vi uma porrada no metro
de Madrid e alguém gritava “Soy argentino, no soy sudaca”). Já ouvi chamar “o
preto”, “o gordo”, “o cigano”, “o anão”, “o mongoloide”, mas nunca, como no
Brasil, ouvira “pobre” como uma designação tão depreciativa e amplamente usada
– um chega para lá social, a arrogância de quem se acha escolhido em oposição à
subserviência de quem, desde sempre, baixa a cabeça e se cala.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; text-indent: 35.4pt;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><span style="text-indent: 35.4pt;">Caco
Antibes, personagem da sitcom brasileira Sai de Baixo, ficou famoso por ter
“horror a pobre” e pelos aforismos: “</span><span style="background: white; text-indent: 35.4pt;">Pobre precisa entender que só passeia no
shopping de havaiana quem é rico.” Presumível caricatura de ficção, Caco
Antibes tem muitos </span><span style="text-indent: 35.4pt;"><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-color: white; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial;">sucedâneos na vida real.</span></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"> </span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Pobre
faz parte do imaginário do Brasil, como o boteco, o arroz com feijão ou
Carinhoso, de Pixinguinha. A designação “pobre”, para definir um grupo de
milhões – mesmo os que não são pobres –, diz muito sobre o teimoso legado da
escravidão e as conservadoras e pouco lubrificadas estruturas sociais neste
país. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">O Brasil já
não é, de facto, desdentado. Antes pelo contrário, a democratização dos
aparelhos odontológicos faz com que hoje a maioria – até “pobre” – tenha a
brancura dental das estrelas de Hollywood. Há mais gente na universidade, menos
a passar fome, muitas famílias podem agora ter algum conforto, manter os filhos
na escola, aspirar a mais do que subsistir da mão para a boca. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Mas mesmo a
vida dos que deixaram de ser oficialmente pobres continua impedida pelo descaso
das autoridades e pela estrutura de castas. Horas de martírio para ir de casa
para o emprego, medíocre prestação do Estado na saúde e educação, corrupção,
favoritismo, discriminação, desamparo e muito pouca mobilidade social. Ser
pobre não é apenas uma designação do governo federal – aqueles com menos de 25
euros de rendimento mensal. É também uma sina e uma opressão. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Encontrei o
porteiro do meu prédio, que deveria estar de férias, a lavar um carro no parque
de estacionamento às sete da manhã. Perguntei-lhe o que fazia ali. “O coroa vai
viajar e pediu para eu lavar o carro dele.” O porteiro tinha vindo de propósito
de São Gonçalo (longe para burro), de madrugada, interrompendo as férias, para
obedecer ao pedido (à ordem) de um inquilino. Quando me indignei, ele não
pareceu especialmente vingado. “Faz parte”, disse-me – a ordem natural das
coisas como ele sempre as conheceu e que se perpetua ainda, apesar do aumento
dos rendimentos dos pobres.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Milhões podem
ter saído oficialmente da pobreza. Mas, no Brasil, que por vezes parece o país
dos coronéis, ser pobre ainda continua a ser foda – mesmo que se tenham os
dentes todos. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"> ...</span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: center;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><b><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: x-large;">Peito, bunda
e coxas <o:p></o:p></span></b></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><b><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: x-large;"><br /></span></b></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><b><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: x-large;"><br /></span></b></span></div>
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhOB2LCb5_95z-kELWSmTuscrrGzswvLWw4qG9LV15GBDeGjyaGQTPDPdlWOgWOqtnQcBTI-k9OdT8rb6iOGk6yFGWqCPeOaeaiIn4CGh3G1NRwBrxd53G6viahZgZPigeUYIJT1V7flQM/s1600/download.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhOB2LCb5_95z-kELWSmTuscrrGzswvLWw4qG9LV15GBDeGjyaGQTPDPdlWOgWOqtnQcBTI-k9OdT8rb6iOGk6yFGWqCPeOaeaiIn4CGh3G1NRwBrxd53G6viahZgZPigeUYIJT1V7flQM/s1600/download.jpg" /></span></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><b><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: x-large;"><br /></span></b></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Desde
que, há mais de 500 anos, se escreveu pela primeira vez sobre as mulheres
brasileiras, a sua cotação tem andado em alta. As relíquias são amplamente celebradas
no imaginário global – as bundas do Posto 9, as mulatas do sambódromo, as
modelos da Victoria’s Secret com asas endiabradas e pernas de asfixia erótica.
Se Pero Vaz de Caminha se estreou no assunto elogiosamente, mas com alguma
reserva – “Também
andavam entre eles quatro ou cinco mulheres, novas, que assim nuas, não
pareciam mal” –, os anúncios da Reef, com bundas douradas e formidavelmente
redondas, bem como a poesia de Vinicius de Moraes, exprimiram plenamente, cada
um à sua maneira, o magnetismo da mulher brasileira. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Só que, no
Brasil de hoje, a beleza nada tem a ver com garotas de Ipanema ou sequer com a
imagem batida da mulher com pouco peito, bunda empinada e uma sexualidade incendiária.
Em primeiro lugar, porque não há um cânone da beleza brasileira. Se é verdade
que, nas revistas de moda, ainda se veem, exclusivamente, as mesmas modelos
galgazes e internacionais, que deslizam com lascívia e facilidade para dentro
de uns <i>skinny jeans</i>, também é verdade
que novos padrões se tornaram mais populares, contagiosos e duradouros do que o
“Ai seu eu te pego”, do Michel Teló.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">Peito<o:p></o:p></span></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Cresci a ouvir que as mulheres brasileiras
tinham pouco peito. Era uma verdade tão incontroversa como a genialidade supersónica
e os <i>cojones</i> de Ayrton Senna. Talvez
tenha sido assim um dia. No Brasil de hoje, que ultrapassou os Estados Unidos enquanto
país onde se fazem mais cirurgias estéticas, é normal oferecer uma operação
plástica às filhas adolescentes pelo aniversário. Rinoplastias estão entre as
mais escolhidas, tal como o aumento de peito. Há até um tamanho oficioso,
supostamente popularizado pelas atrizes da TV Globo: 250 ml para cada mama, o
que parece uma frugalidade se tivermos em conta os peitos propagandeados – e
disseminados com sucesso – por vedetas de reality shows, cantoras de funk e
mulheres fruta. Pouco importa a proporção ou a aparência ciborgue da caixa
toráxica: estão na moda as mamas com formato de balas de canhão de desenho
animado. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; mso-layout-grid-align: none; text-align: justify; text-autospace: none;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">Bunda<o:p></o:p></span></b></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">As mulheres fruta, exageradamente redondas,
ícones sexuais desejados e imitados, enchem literalmente as capas dos jornais
populares. Com bundas entre a melancia e a bola de pilates, estas mulheres têm
em fartura o que as bundas da Reef tinham em equilíbro, contenção e resistência
à força da gravidade.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"> A
“Playboy”, antes acostumada a cativar leitores com atrizes de telenovela, fez
uma produção na favela da Rocinha, com a estrela do funk Valesca Popozuda – 970
ml de silicone no peito e 1100 ml na bunda. Por causa do seu sucesso “Beijinho
no ombro”, Valesca já superou o estatuto tabloide de mulher fruta e entrou com
estrondo, coxas musculadas e <i>stilettos</i>,
na cultura popular. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">Coxas<o:p></o:p></span></b></div>
</div>
<div class="Pa4" style="line-height: 115%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 11pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="Pa4" style="line-height: 115%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><span style="font-size: 11pt; line-height: 115%;">Jenny
Barchfield, jornalista americana, definiu assim um novo estilo de beleza, muito
popular no Brasil, após ter conversado com um <i>personal trainer</i> em São Paulo: “(Ele) </span><span style="font-size: 11pt; line-height: 115%;">descreveu o seu ideal de beleza feminina e parecia o resultado da
experiência do doutor Frankenstein, aos 12 anos, equipado com um maçarico, uma
Barbie e um boneco G.I. Joe: ‘Feminina e elegante da cintura para cima, músculo
sólido das ancas para baixo’”. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="Pa4" style="line-height: 115%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 11pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="Pa4" style="line-height: 115%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 11pt; line-height: 115%;">Mulheres com pernas que parecem pénis musculados entraram no <i>main stream</i>. O consumo de esteroides
aumentou e, entre os inúmeros problemas de saúde causados pelas injeções, está
a hipertrofia do clitóris – o que se ganha em tamanho, no entanto, perde-se em
sensibilidade num genocídio de células nervosas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="Pa4" style="line-height: 115%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 11pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="Pa4" style="line-height: 115%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><span style="font-size: 11pt; line-height: 115%;">O peito nem
sempre é pequeno, a bunda não necessariamente empinada, e o apetite sexual
perde agora para um reflexo musculado no espelho.</span><span style="font-size: 11pt; line-height: 115%;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="Pa4" style="line-height: 115%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
<div class="Pa4" style="line-height: 115%; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;">O doce
balanço <o:p></o:p></span></b></div>
<div class="Pa4" style="line-height: 115%; text-align: justify;">
<b><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 14pt; line-height: 115%;"><br /></span></b></div>
<div class="Pa4" style="line-height: 115%; text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 11pt; line-height: 115%;">Uma das
coisas que mais aprecio no Brasil é a descontração e a aceitação do corpo, a
forma como negras imensas, em biquínis mini, caminham triunfantemente pelo areal
– mais confiantes do que estrelas pop apuradas por estilistas, dietistas e
maquilhadoras. O Brasil tem mulheres lindíssimas e de todos os géneros, mas
custa-me que muitas se mutilem na busca de um padrão homogéneo – as mesmas
coxas, o mesmo peito, as mesmas caras repuxadas e botoxadas, entre o travesti e
o lagarto. Será hoje a uniformização – e a masculinização – o que as
gorduchinhas eram para Botticelli e as heroinómanas para Calvin Klein? <o:p></o:p></span></div>
<div class="Pa4" style="line-height: 115%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: 11pt; line-height: 115%;"><br /></span></div>
<div class="Pa4" style="line-height: 115%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><span style="font-size: 11pt; line-height: 115%;">Sem meninas
que vão e que vêm num doce balanço a caminho do mar, talvez as músicas, no
futuro, celebrem implantes de glúteos, imortalizem <i>personal trainers </i>e declarem amor eterno
– “enquanto duro” – aos<i> </i>clitóris
culturistas</span>.<span style="font-size: 11pt; line-height: 115%;"><o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">...</span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: x-large;">O português à solta<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgrlbiZRMJlMOZbJwtUk7cin7x7Pj_tqlQdOE5uLseEBATc11WjpmCURI_RiZZ1F9sDGBMGPQH9MFR24SB1EnGSAJ7xnKCvYGo6SIsIkfqR4B4stHefB2ddl5zbndu8KhScu4RB1MEf7mQ/s1600/emigrantes+portugueses+1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgrlbiZRMJlMOZbJwtUk7cin7x7Pj_tqlQdOE5uLseEBATc11WjpmCURI_RiZZ1F9sDGBMGPQH9MFR24SB1EnGSAJ7xnKCvYGo6SIsIkfqR4B4stHefB2ddl5zbndu8KhScu4RB1MEf7mQ/s1600/emigrantes+portugueses+1.jpg" height="189" width="320" /></span></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">1 <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Galgávamos o asfalto com o habitual desvario
assassino dos ônibus cariocas quando percebi o fio de voz do homem de cabelos
brancos. Falava com a macieza dos patriarcas na poltrona da sala, perguntando à
cobradora sobre a possibilidade de baixar o ar-condicionado. Reconheci,
imediatamente, o tato e a mudez sem ossos das vogais portuguesas apesar de ter
ouvido “Estou resfriado” em vez de constipado – as sílabas dele ainda não
totalmente meladas por décadas de “você” e “gerúndios” e a triste, mas
inevitável, substituição de “gajo” por “cara”. Meti conversa. Ele mudou-se para
o meu lado. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">2<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="background: white; font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">“Tenho 85 anos, sou tripeiro e moro no Rio desde 1952. Os meus pais não
queriam que eu viesse, a minha mãe chorou muito. Vim pela aventura. Embarquei
num cargueiro – era um antigo navio de guerra italiano, o Génova. Dem<span class="textexposedshow">orámos 19 dias. Eu nunca tinha visto sequer uma foto do
Rio. Voltei a primeira vez ao Porto onze anos depois. Só a minha irmã estava
viva. O meu irmão morreu de tétano, tinha dez anos. Cortou os dedos da mão numa
máquina. Trabalhei para a mesma fábrica 40 anos, sempre fui vendedor, já era
vendedor na rua Sá da Bandeira, no Porto. Comprei o meu primeiro apartamento,
no Leblon, nesta rua onde estamos, 17 anos depois de ter chegado. O meu nome é
Francisco Silva Peralta.” </span><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">3<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">E há outro Francisco, o da feira da Gávea,
que me guarda melões do Algarve e que, apesar da bata azul e das socas, inclina
na cabeça um chapéu fedora que podia ser herança de Don Draper. Chegou ao Rio
em 1965 e só voltou a Lisboa em 1998. “Nasci em Trás-os-Montes, mas sou de
Campo de Ourique”, disse-me, uma manhã, o peito cheio e os galões de quem
parece estar ainda no Jardim da Parada antes de partir para uma ginjinha no
Rossio. E há o Luís, da farmácia, onze anos sem pisar em Figueiró dos Vinhos, e
que no outro dia me chamou para junto do balcão como se quisesse comprovar as
façanhas do pai. “Diga lá aqui ao meu colega se as estradas em Portugal não são
um espetáculo?” <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">3<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Quando converso com estes homens, duas coisas
se repetem: nas palavras deles aflora mais forte, porque nunca desapareceu, o
sotaque do lugar de onde partiram. E eu pergunto sobre a chegada ao Brasil,
quantos anos estiveram sem ir a Portugal, como foi esse regresso. Imagino o
Génova aproximando-se do porto com um vagar de baleia transatlântica e <span class="textexposedshow"><span style="background: white;">Francisco Silva Peralta olhando o Rio pela primeira vez, o
pasmo dos dias iniciais, ensopado de humidade e clorofila (ficou em casa de um
amigo, tirou umas semanas para conhecer a cidade, arranjou emprego com um
português); tal como imagino o outro Francisco, de Campo de Ourique, a
regressar a Lisboa, em ano de Expo 98, no esplendor da década de ouro, depois
de ter largado o país quando Salazar nem sequer tinha caído da cadeira à espera
do calista Hilário. </span></span><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">4<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Eça de Queirós cunhou a frase: “O brasileiro
é o português – dilatado”. Agostinho da Silva escreveu: “O brasileiro é o
português à solta.” Embora estas frases tenham servido de refrão ao tema de
abertura da vida de muitos portugueses no Rio de Janeiro, sinto que não
desvelam plenamente a experiência de viver cá. É que, por mais que eu hoje
saiba fintar as marés vivas no Posto 11, por mais tapioca com goiabada e Bloco
Me Beija que Sou Cineasta e shows de rock no Circo Voador e a bicicleta a rolar
na orla entre miúdas de skate e uma paisagem bom astral, a verdade é que, de
cada vez que falo com estes homens, e depois de alguns anos de Rio, parece-me
que a expansividade da estreia resulta quase sempre numa desejada volta ao
recato. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">5 <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Talvez seja apenas um simples caso de
saudades – do que vivemos em Portugal e do que deixámos de viver por estar
aqui. Mas quando converso com estes portugueses da velha guarda, sinto o
consolo de um regresso, de um refúgio, e as palavras do nosso sotaque, por mais
desossadas e afónicas que pareçam aos nativos, ressoam em nós como os sinos
numa praça de casas caiadas onde, além dos gritos das gaivotas do Tejo, podemos
escutar as vozes dos pais, dos irmãos e dos amigos no fôlego das alfarrobeiras,
dizendo, com carinho, sem pressas, aquilo que nós já aprendemos: podes ir o
mais longe que puderes, é aqui que mais pertences. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"> <v:shapetype coordsize="21600,21600" filled="f" id="_x0000_t75" o:preferrelative="t" o:spt="75" path="m@4@5l@4@11@9@11@9@5xe" stroked="f">
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</v:f></v:f></v:f></v:f></v:f></v:f></v:f></v:f></v:f></v:f></v:f></v:f></v:formulas>
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</o:lock></v:path></v:stroke></v:shapetype><v:shape alt="http://s.publico.pt/facebook/1670235" id="Imagem_x0020_2" o:spid="_x0000_i1026" style="height: .75pt; mso-wrap-style: square; visibility: visible; width: .75pt;" type="#_x0000_t75">
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</v:imagedata></v:shape> <span style="font-family: "Cambria","serif"; mso-ascii-theme-font: major-latin; mso-hansi-theme-font: major-latin;"><o:p></o:p></span></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif; font-size: x-large;">O Brasil não é para principiantes<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBJIJC7WCCkiGn69LM4HSVbRtJk8qzHDU7eC5Nj-_eu09NzxZ0t95_-7nXtb-CVPySm6f0E4c_fgU3J2SrzCChvGNRszpconHKYZ65FVj9rtZKpfh8n-gRCpYA44JxanvF_4nmVssdUc4/s1600/images+(2).jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;"><span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBJIJC7WCCkiGn69LM4HSVbRtJk8qzHDU7eC5Nj-_eu09NzxZ0t95_-7nXtb-CVPySm6f0E4c_fgU3J2SrzCChvGNRszpconHKYZ65FVj9rtZKpfh8n-gRCpYA44JxanvF_4nmVssdUc4/s1600/images+(2).jpg" /></span></a></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">1<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Antes da tomada pose de Dilma Rousseff, em
2011, muito se discutiu: chamar presidente ou presidenta à primeira mulher
eleita para o cargo no Brasil? Ficou presidenta. Uma legislatura depois, e com
duas mulheres como principais candidatas – além de Dilma, Marina Silva –, a
escolha de um “a” em vez de um “e”, ainda que simbólica, parece um detalhe
prosaico na grande fotografia do Brasil. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">A morte recente
de duas mulheres em consequência de abortos clandestinos reavivou números
indesejáveis: um milhão de abortos e cerca de 150 mil mulheres que precisam de
assistência médica, como resultado dessas intervenções. Uma morte a cada dois
dias. Nenhuma das candidatas pretende mudar a lei – a interrupção só está
autorizada em caso de violação ou deficiência do feto. Sequer falaram
profundamente sobre o problema. E ambas poderão ser presidentas. Com “a”. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
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<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Para quem
vive no Brasil, não é estranho que a realidade mais inclemente seja tratada com
um assobio para o ar. No ano passado, 50 mil pessoas morreram assassinadas, 42
mil em acidentes de trânsito, e mais de 40 mil mulheres foram violadas. Não
deviam estes números ser uma sirene tocando incessantemente durante a campanha?
Não. Porque se é verdade que nas democracias de todo o mundo há uma crise de
representatividade e um fosso entre o discurso político e os problemas dos
cidadãos, esse fosso é colossal no Brasil – e a cara de pau dos políticos
também. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">2<o:p></o:p></span></div>
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<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Marina Silva, evangélica, recuou no tema do
casamento gay quando o pastor evangélico Silas Malafaia ameaçou retirar-lhe o
apoio num post do Twitter. Os partidos evangélicos podem conseguir 18% dos
lugares do Congresso. Malafaia, conhecido pelas suas tiradas homofóbicas, estrela
dos televangelistas e entusiasta da teologia da prosperidade que promete
riqueza terrena, disse aos fiéis, num programa de TV: “<span style="background: white;">Você
quer saber o valor do meu anel? Quatro mil dólares. Tá vendo o Mercedes e500,
blindado na Alemanha? Foi um parceiro meu que me deu de presente de aniversário”.</span> <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Durante os
protestos de 2013, quando o Brasil saiu à rua, Dilma Rousseff prometeu mudanças
no sistema político e eleitoral, medidas excecionais para combater a corrupção,
até um plebiscito para alterar a constituição. Um ano e três meses depois nada
aconteceu.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
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<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">3<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Tom Phillips, inglês, correspondente em
Xangai, participou num livro escrito por jornalistas estrangeiros, sobre o
Brasil, que organizei recentemente. No seu texto, conta que, quando saiu do
Rio, em 2010, só produzia artigos sobre as grandes mudanças e o otimismo do
país. No regresso, em 2014, visitou os lugares por onde andara nos seus dez
anos de Rio. Na favela da Coreia, com um amigo pastor, conheceu Denis, o rapaz
que cometera um crime no Complexo do Alemão e fora condenado pelos traficantes.
No texto, Tom sublinha o absurdo: Denis fora condenado por traficantes e salvo
por um evangélico. O Estado estava ausente em todo o processo. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Parte da
população está desamparada, nas mãos de traficantes, de milícias (máfias
policiais), de presidentes do Senado que viajam no avião oficial para ir de
Brasília a Recife fazer um implante de cabelo. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">No Rio, os
dois principais candidatos a governador – Garotinho e Pezão – têm ou tiveram
problemas com a justiça. Traficantes e milícias controlam o voto das populações
que subjugam. Projeta-se um porto futurista no Centro, com arranha céus e
hotéis espelhados, mas despeja-se grande parte do esgoto da cidade na Baía de
Guanabara. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">O
maior drama do Brasil não é ter problemas – tudo aqui é complexo, excessivo,
intenso –, mas que esses problemas continuem a ser desprezados, adiados e
maquilhados de uma forma descarada e impune, com Copas do Mundo, Jogos
Olímpicos e uma narrativa que parece extraída do livro “O Segredo”: pensa
positivo, que vai dar certo. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">No final da
sua viagem de regresso ao Brasil, Tom concluiu – como muitos cariocas – que
pouco mudara desde 2010, que a insegurança se agravara novamente, e que a
propaganda oficial do sucesso, em tempos credível, parece hoje tão falsa como
uma mala Fendi comprada nos chineses. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Georgia, Times New Roman, serif;">Estas
eleições são, pelo menos para mim, uma evidência dolorosa: no eterno país do
futuro, o presente continua (ainda e sempre) espetacularmente ignorado.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-40763444434032786972011-10-17T16:48:00.001+01:002011-10-17T16:50:40.684+01:00Tempo de mudanças<iframe width="420" height="315" src="http://www.youtube.com/embed/W8a0-yEY9gs" frameborder="0" allowfullscreen></iframe><br /><br /><br />A partir de agora, e várias vezes por semana, estou no <a href="http://malemolenciazuga.blogspot.com/">Malemolência Zuga</a>, o meu novo blog a partir do Rio de Janeiro.Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-55327227768942629932011-09-29T13:09:00.002+01:002011-09-29T13:15:32.486+01:00Fado da Partida<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkmGDz0gI9cgQ03JtdPzZ4LHgJ7JhhkUNuLi9uWjp0L7LPs3Pv1E59aeoZBmBO3PRB4uUs0Zui_HkWxuITiE__1rwBRYfAKF_ACg2lXfGkf_89mc4o7bK-Sm3xE5CFvBWcR41lIKHOK9Q/s1600/imigrantes.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 200px; height: 132px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkmGDz0gI9cgQ03JtdPzZ4LHgJ7JhhkUNuLi9uWjp0L7LPs3Pv1E59aeoZBmBO3PRB4uUs0Zui_HkWxuITiE__1rwBRYfAKF_ACg2lXfGkf_89mc4o7bK-Sm3xE5CFvBWcR41lIKHOK9Q/s200/imigrantes.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5657753884897221698" /></a><br />O meu avô era guarda-fiscal numa aldeia encostada a Espanha onde fazia calor de forno e havia largadas de touros durante o verão. Os miúdos viviam na pobreza descalça de pisar a neve, sem sapatos, no inverno. O meu avô deixou um familiar cruzar a raia a caminho de França. A PIDE descobriu a complacência do meu avô e mandou-o para o castigo de um quartel desterrado, onde não havia aldeias por perto nem familiares aventurosos a caminho das bidonvilles de Paris. Os filhos dos guardas andavam quilómetros a pé para terminarem a quarta classe antiga. <br /><br />Depois de fazer a guerra em Angola, o meu pai mandou-se para França com uma mulher e um filho. Ganhava mais, podia falar de política em lugares públicos (embora esse não fosse seu hábito), elogiava o sistema de saúde local e talvez tenha pensado em enriquecer. Regressou a Portugal porque a minha mãe não se dava bem com os subúrbios de Paris.<br /> <br />Durante muito tempo o meu pai sugeriu que Truman Capote era da família – tínhamos um tio-avô, de sobrenome Capote, que emigrara para Buenos Aires e depois para algum lugar nos Estados Unidos até que deixou de dar notícias. O meu pai acreditava que o espírito empreendedor e internacional da família tinha, por fim, apresentado resultados grandiosos: um escritor famoso sobre o qual até fizeram um filme com direito a Oscar de melhor actor. <br /><br />Já vivi em Nova Iorque, Madrid e preparo-me para morar no Rio de Janeiro, mas só agora, muitos anos depois da estreia como emigrante, começo a perceber (a entranhar) uma evidência bem portuguesa – tão portuguesa como é chegar atrasado, desenrascar uma saída num momento de aflição ou ter a habilidade gentil de indicar o caminho certo ou a mesa de casa a um forasteiro. Essa evidência é muito antiga e perpetua-se em nós apesar dos fundos comunitários, dos multibancos e dos hipermercados. É uma evidência que se prolonga na História e se propaga no sangue, algo que se manifesta se ouvimos a voz de Amália no gira discos ou cheiramos as alfarrobeiras a sul ou se a garganta se aperta de tanta beleza numa esquina de luz lisboeta. Essa evidência é mais forte do que aqueles portugueses que a transportam pelo globo, mais importante que o legado da ditadura, a crise ou a globalização. Seja qual for a razão porque saímos deste país – amor, arreliação, aventura, desespero, disponibilidade para a vida – a verdade é que a vontade (ou a inevitabilidade) de partir é tão forte como a certeza que voltaremos um dia, mesmo que não seja para ficar. <br /><br />Agosto de 2011Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-22975740574665741832011-08-23T10:59:00.003+01:002011-08-23T11:08:45.611+01:00O meu romance com um romance<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-avQggtbxZ2_EOog3Hw71aT47XJ4hx5XnZZX4pNU-4JdmOH_UVCV-evgEU1oY7pTakgWnH0bHqSmcAtRmV19iBOlthMKAHlgAsqpfBY5ru24IaytEQrJTT7AYmar1FmM9hdwZfkkWvfw/s1600/voar.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 200px; height: 133px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-avQggtbxZ2_EOog3Hw71aT47XJ4hx5XnZZX4pNU-4JdmOH_UVCV-evgEU1oY7pTakgWnH0bHqSmcAtRmV19iBOlthMKAHlgAsqpfBY5ru24IaytEQrJTT7AYmar1FmM9hdwZfkkWvfw/s200/voar.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5643991253052395970" /></a>
<br />A dormência deste blog não se deve a férias de praia ou descanso do pessoal. Meti-me a escrever furiosamente o próximo romance e não há tempo ou força para muito mais coisas escritas. Mas regressarei em breve, após mudar-me para o Rio de Janeiro. Tenho a certeza que, assim que aterrar, terei muito sobre o que escrever aqui. Para compensar a minha preguiça blogueira, fica um excerto do romance, exclusivo, inédito e on the making.
<br />
<br />Até já
<br />
<br />Relicário contra comunistas
<br />
<br />O verão que antecedeu a minha estreia na escola primária foi o mais quente da história. Digo isto com a mesma certeza com que o meu irmão garantiu, logo no mês de Julho, que nunca mais haveria aulas porque os soviéticos e os americanos estavam prestes a disparar mísseis nucleares. Então, o mundo seria igual aos filmes sobre a Terceira Guerra Mundial. Os sobreviventes deixariam de ter televisão, habitariam grutas subterrâneas e continuaria a haver gente má e alguns canibais, ditadores e banqueiros. Para agravar o pânico de ficar para sempre sem desenhos animados, o meu irmão explicou-me que o calor anormal, que matava pássaros na varanda e deixava a minha mãe tão aflita como um afogado, era prova da aproximação do apocalipse nuclear – a água das piscinas públicas desaparecera, o sol queimava como um ferro de engomar na pele, os cigarros dos adultos acendiam-se sem precisar de fósforos.
<br /> Nesse verão, passei muitas tardes na casa de uma vizinha do prédio – a Dona Helena, mãe do Ricardo, colega de turma do meu irmão, e da Susana, que, tendo nascido quatro anos antes de mim, ainda não usava a parte de cima do biquíni na praia. O Ricardo e o meu irmão saíam pelo bairro de bicicleta, faziam parte de uma tribo sénior e masculina que não me aceitava como membro – Susana também fora excluída, tinha os cromossomas errados e jamais conseguiria fazer um cavalinho em cima da bicicleta cor-de-rosa. No final do dia, o meu irmão contava-me como a cidade se preparava para o desastre da aniquilação quase total e aconselhava-me a encontrar um abrigo nuclear. Dizia-me: Já descobri um sítio com o Ricardo, mas não cabe lá mais ninguém."
<br />Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-69544543736669926842011-07-25T09:42:00.002+01:002011-07-25T09:49:59.524+01:00Não há nenhum consolo nem satisfação em ter dito: I told you so.<iframe width="425" height="349" src="http://www.youtube.com/embed/QSDS5_zrQss" frameborder="0" allowfullscreen></iframe><br /><br /><br />(Crónica publicada Julho de 2010 no i)<br /><br /><br /><span style="font-weight:bold;">Dear miss Winehouse,</span><br /><br />Quando me contaram que tinhas sido internada outra vez, imaginei-te com um cachimbo de crack e um copo de gin, envolta numa nuvem cocainómana. Depois soube que tinha sido apenas um tropeção que resultou num corte acima do olho e num problema com as tuas novas mamas de cirurgia plástica. Não te escrevo como amigo (não nos conhecemos), nem como paizinho, aliás, dizes na canção “Rehab” que se o teu pai acha que estás bem não precisas de ser internada. Eu até concordo com o comediante Bill Hicks, que disse: “As drogas já nos deram muitas coisas boas. Se não acreditam, peguem nos vossos cds e queimem-nos, porque as pessoas que fizeram essas grandes músicas, que melhoraram as vossas vidas, estavam bastante drogadas.” Nem sequer estou preocupado que os miúdos se ponham a fumar cocaína por causa de ti – as pessoas não precisam de ídolos para se drogar, drogam-se porque querem. Mas fico aflito sempre que vejo que a droga raptou um ser humano e o substituiu por um farrapo de gente – acredita em mim, morreu-me um tio por causa da heroína. Não te peço que deixes para todo o sempre o copo de Tanqueray e alguma maluqueira tóxica. Mas ouve as palavras de outro comediante, George Carlin, cujo génio sobreviveu aos excessos: “As drogas podem ser maravilhosas, mas à medida que as consumimos, a parte do prazer diminui e aumenta a dor. Passa a ser apenas dor.” O que te quero dizer é: põe-te boa dessas costelas doridas e termina o disco que começaste a gravar. Depois, sim, podes festejar. Estraga-te um bocadinho mas, por favor, não te estragues para sempre.Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-72105060278099759542011-07-13T13:22:00.003+01:002011-07-13T13:39:10.346+01:00Poliglidiota<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi1SnAUBziXMsxdAOrNpQ4gYEdvYBWFbcO44NzXPQzCyXi4A9USJunDn9pQTT65to5IPJITxOfQZJ2hAZdrNeWxPb2l0tl6t-fasi2B3e1pBL06VhvbogEyXQGwCF0qlS8YS3lvtHIn3vI/s1600/dicionario.jpeg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 200px; height: 150px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi1SnAUBziXMsxdAOrNpQ4gYEdvYBWFbcO44NzXPQzCyXi4A9USJunDn9pQTT65to5IPJITxOfQZJ2hAZdrNeWxPb2l0tl6t-fasi2B3e1pBL06VhvbogEyXQGwCF0qlS8YS3lvtHIn3vI/s200/dicionario.jpeg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5628815537130858530" /></a><br />Escuta o que te digo<br />aunque te parezca <br />uma lenga lenga<br />of lame, rusty, and <br />cliché<br />excuses<br /><br />Tento todas as palavras contigo<br />para que te cuelgues en mi cuello<br />like groupies do with rock stars<br /><br />ninfeta and slut e dona de casa<br />fascinada e strastruck<br />pelo brilhantismo das minhas línguas<br /><br />falo de sacanagem, versos sem roupa, humidade e umidade<br />pero nada te convence<br />nem gramática nem cunnillingus<br />nem todo o latim malandro das cidades mais sacanas<br /><br />dizes-me que entre nós não há acordo <br />nem ortografia em sintonia<br /><br />dizes:<br />fuck you very much<br />pendejo maricon<br />babaca e filho da puta<br /><br />só então percebo que, como tantos casais,<br />temos problemas de comunicaçãoHugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-45373919934079117832011-07-13T13:20:00.002+01:002011-07-13T13:20:39.591+01:00B.<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhP8v0g4134hZVU9iyT8s6L7AxyBFr3wSgyOeDd0eGDAGTN1XxEwbdGyy29qG_BvvWnlheQ7TbOJ6sdUyH2xXvtrZzrJJwCNy4xEOHJmOThB11XW8V2eO128nyti_TN5qqB05Pk3rr_kG4/s1600/bruna.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 200px; height: 200px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhP8v0g4134hZVU9iyT8s6L7AxyBFr3wSgyOeDd0eGDAGTN1XxEwbdGyy29qG_BvvWnlheQ7TbOJ6sdUyH2xXvtrZzrJJwCNy4xEOHJmOThB11XW8V2eO128nyti_TN5qqB05Pk3rr_kG4/s200/bruna.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5628810769654508546" /></a><br />Era tão bela como bélica<br />por vezes bruta com a boca<br />balançava<br />bonita<br />(mas breve)<br />na<br />besta que<br />eu fui<br /><br />depois bazouHugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-36149863401972849622011-07-06T12:27:00.002+01:002011-07-06T12:30:37.811+01:00Dar-vos música<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjxayu9bEuHs1N9Y3EI3WM4RICUDJhxGzzIZmudYK0w_3h86UJ6vBa09EkogpRLry-WlBXtr0FXGcylIYks0Ksv-LtCQ-Q2DBsPwxZ9XHuWwpzDSKO8iLzEo34NgeFb-MJlnXrv-Lv3y8A/s1600/tsf2.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 200px; height: 140px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjxayu9bEuHs1N9Y3EI3WM4RICUDJhxGzzIZmudYK0w_3h86UJ6vBa09EkogpRLry-WlBXtr0FXGcylIYks0Ksv-LtCQ-Q2DBsPwxZ9XHuWwpzDSKO8iLzEo34NgeFb-MJlnXrv-Lv3y8A/s200/tsf2.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5626200220178103010" /></a>
<br />Esta é a minha play list, na TSF. Música, maestro: <a href="http://www.tsf.pt/Programas/programa.aspx?content_id=918071&audio_id=1895195">aqui.Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-7167265824829803232011-07-06T11:57:00.004+01:002011-07-06T12:00:47.535+01:00Coração de papel e tinta<iframe width="425" height="349" src="http://www.youtube.com/embed/g3wmKlYiwAM" frameborder="0" allowfullscreen></iframe>
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<br />Infelizmente, não por minha vontade, deixei de escrever diariamente no i. Esta é a última crónica. Pode ser lida <a href="http://www.ionline.pt/conteudo/134797-um-coracao-papel-e-tinta">aqui.</a>Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-89946527473156751882011-07-04T11:47:00.003+01:002011-07-04T11:52:15.031+01:00Para português ver<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi60yAcT5a7iLsrRObPp35pnpdbFOu-zx-8GH5Y2z2M63QpcxjAPSrSt2SOFzdBYfGkLvaZxcipdQ2zyHshrqO2exb9nVERVmdyc9bPVOuZJtlKz3ePFLhZVdh8ZpNYQcdiFSHMv-ekvEk/s1600/do-it-better-thumb.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 120px; height: 120px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi60yAcT5a7iLsrRObPp35pnpdbFOu-zx-8GH5Y2z2M63QpcxjAPSrSt2SOFzdBYfGkLvaZxcipdQ2zyHshrqO2exb9nVERVmdyc9bPVOuZJtlKz3ePFLhZVdh8ZpNYQcdiFSHMv-ekvEk/s200/do-it-better-thumb.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5625448215495256930" /></a><br />Quando os navios ingleses começaram abordar os barcos portugueses, a fim de fiscalizar o tráfico de escravos, conta-se que as frotas lusitanas mandavam uma embarcação na frente, com mercadorias legais, para ludibriar os bifes. Assim terá nascido a expressão: "Para inglês ver." Os tempos mudaram e o inglês passou de agente fiscalizador a fazer parte do nosso dia-a-dia: palavras em conversas - cool, fashion, kinky -, nomes de discotecas - Silk - restaurantes - Guilty - ou ginásios - Envy. <br /><br />Para ler tudo, <a href="http://www.ionline.pt/conteudo/134297-para-portugues-ver">cliquem aqui</a>.Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-12507123573109198412011-06-22T10:24:00.003+01:002011-06-22T10:27:43.100+01:00Um dia especial<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzRFWWTGLwKKMb61j8zxB9sRfcj-f0gpZesoXPLG9vU9vXzq_7e_X8joBSVwoyJs9n4tnIKuHe3z1cJZYlXBP8tPETYM_9GSLAWMTN2C8UWDeZyj82f80H7YYT1VfCsoI1samHyngVwJs/s1600/passos.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 200px; height: 112px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzRFWWTGLwKKMb61j8zxB9sRfcj-f0gpZesoXPLG9vU9vXzq_7e_X8joBSVwoyJs9n4tnIKuHe3z1cJZYlXBP8tPETYM_9GSLAWMTN2C8UWDeZyj82f80H7YYT1VfCsoI1samHyngVwJs/s200/passos.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5620973399610795522" /></a><br />"O primeiro dia deste governo podia ter sido contaminado pelas imagens daquele homem que, perdido e sozinho no hemiciclo, parecia um menino transferido de escola a meio do segundo período. Fernando Nobre, que passou de popular nas urnas presidenciais a impopular na campanha para as legislativas - até que foi empurrado para um canto do parlamento -, não resistiu nas notícias muito tempo. História contada, história empacotada. Havia holofotes para acender, câmaras para ligar, directos para fazer, ministros para apanhar a sair de casa. Quando um governo toma posse, para mais com tantos protagonistas novos, espalha-se nas ondas mediáticas e nos olhos dos telespectadores uma espécie de credulidade boa, de primeiro dia de escola, quando ainda não é preciso levar livros, fazer trabalhos de casa e os professores nos deixam sair mais cedo para recuperarmos amizades suspensas após meses de férias nas peladinhas do recreio da manhã."<br /><br />Para ler tudo, <a href="http://www.ionline.pt/conteudo/131954-um-dia-especial">clicar aqui</a>.Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-53208133830984888792011-06-21T10:36:00.002+01:002011-06-21T10:41:36.131+01:00Nesse corpo estreia o Verão<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1_lkFM-QbPiede-Kkc3hCT8JdEnBnoLiejEepgky2r3j9v4miKAiSqzzBO7WK4Q5mVd6r0Z-hA_4SgainGQQZRXKVrdHXemjSP9WUeqTKF90_L4YyYYXSOorrboEmubr-L7-UETUp_zU/s1600/Praia_Amado_Aljezur_h.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 200px; height: 133px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1_lkFM-QbPiede-Kkc3hCT8JdEnBnoLiejEepgky2r3j9v4miKAiSqzzBO7WK4Q5mVd6r0Z-hA_4SgainGQQZRXKVrdHXemjSP9WUeqTKF90_L4YyYYXSOorrboEmubr-L7-UETUp_zU/s200/Praia_Amado_Aljezur_h.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5620605918597011762" /></a><br />"É mais que geografia ou anatomia: a curva do teu ombro é também aquela curva perigosa da estrada para a praia, o cheiro do alcatrão melado misturando-se com a maresia, um pára-brisas coberto por insectos kamikaze, música tão alta que não se ouvia o motor. E a boca: comedora de Verões em cada ameixa chupada, lábios que bebiam refrescos pela garrafa, língua com língua no jogo do bate-pé."<br /><br />Mais sobre o verão <a href="http://www.ionline.pt/conteudo/131680-nesse-corpo-estreia-o-verao">aqui</a>.Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-39876013951476645572011-06-20T12:27:00.001+01:002011-06-20T12:29:40.593+01:00Coisas rápidas que matam devagar<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisUDkIoFKU-tMlJHrcUNAFO0n3p7orOI7ZRR7sxLqGOiWRpFfUnhow-f-A5h9V6nt0xbpV-OeQs6xHLrdUG7C5ZJAkuHiuSLdC2SOOmV-mRsZG8Jkb-FZSIucZK0Uaxf-fgbdA7yiCXKc/s1600/metro.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 200px; height: 112px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisUDkIoFKU-tMlJHrcUNAFO0n3p7orOI7ZRR7sxLqGOiWRpFfUnhow-f-A5h9V6nt0xbpV-OeQs6xHLrdUG7C5ZJAkuHiuSLdC2SOOmV-mRsZG8Jkb-FZSIucZK0Uaxf-fgbdA7yiCXKc/s200/metro.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5620262673081500450" /></a><br />"Há muita pressa e rebuliço nos nossos sistemas nervosos. Não chegou o metro e todos se levantam, uma manada de viajantes que entopem o caminho de quem quer sair das carruagens. São pequenos hábitos que nos controlam e nos corroem como uma carraça escondida na orelha."<br /><br />Para ler na íntegra, <a href="http://www.ionline.pt/conteudo/131448-coisas-rapidas-que-matam-devagar">cliquem aqui</a>.Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-14994004158077349832011-06-19T10:47:00.002+01:002011-06-19T10:52:34.584+01:00Crónica do suplemento LiV, publicada no i<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPtrurQE7EeHmF-W9E9G-oAIaDc9SHayn4HlKfQq7GEQ2cvVdst9b8v8GDagTJadSNyNrmM0nZ3G8KthY_0dZOGOpCppgDA4RZ5i2Rh0Sm8dzYEw1gE4VqlYV-ynkC92RYr-3l_7OWulQ/s1600/bar-urca_29661.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 200px; height: 150px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPtrurQE7EeHmF-W9E9G-oAIaDc9SHayn4HlKfQq7GEQ2cvVdst9b8v8GDagTJadSNyNrmM0nZ3G8KthY_0dZOGOpCppgDA4RZ5i2Rh0Sm8dzYEw1gE4VqlYV-ynkC92RYr-3l_7OWulQ/s200/bar-urca_29661.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5619866552998002994" /></a><br /><span style="font-weight:bold;">Cira, Regina e Nana*</span><br /><span style="font-weight:bold;"><br />Ela era tão bonita que ensandecia a tropa</span><br /><br />Qualquer descrição da beleza sexual de Cira resultará na confirmação da falta do meu talento literário. Mas Cira era um avião transgaláctico, um hard body ao natural, el pivón de todos los pivones (e qualquer coisa formidável em francês que é língua que desconheço). E a língua carioca de Cira, como era? Eu queria saber. Também queria descobrir o que ficava no lado de dentro daqueles vestidos, o precipício que resvalava das suas coxas, a erupção vulcânica dos mamilos que desprezavam a lei da gravidade. Cira fazia de mim este poeta do mau gosto erótico e dos lugares comuns da sua carne - lugares tão raros e difíceis de alcançar. <br />Mas eu não era o único poeta atrás da musa da Urca. Muito menos o único homem a perceber a inevitabilidade da biologia nas virilhas quando ela passava, pedalando na bicicleta, voando cabelos, lançando perfume, encaixando como uma boca nas frases que eu considerava geniais: “Ela era um espectacular convite para fazer bebés”, in Slaughter House 5, de Kurt Vonnegut. <br />Cira era para comer, devorar, engolir inteirinha. <br />Depois de semanas a beber cerveja naquele bar da Urca, contemplando o pedalar de Cira, fomos apresentados pelo dono do boteco: “Esse português é famoso no país dele. É artista. Você é actriz, não é Cira?” Eu era conhecido, sim, entre os meus familiares – célebre pela minha ausência. E de artista tinha apenas um passado como larápio da boa vontade dos meus pais, que me sustentaram durante um curso de actor, outro de realizador e um workshop de escrita criativa. Também me ajudavam com a renda do apartamento em Copacabana. Cira era mais ou menos actriz. Tinha feito umas fotos para um catálogo de roupas e um anúncio de TV. Mas protagonizava muitos filmes para adultos na minha cabeça. <br />Cira acreditou na minha fama. Eu acreditaria em qualquer coisa que ela dissesse: “Um amigo vai dar uma festinha num veleiro, aqui mesmo.” Márcio era filho de um general com barco ancorado na marina do quartel da Urca. Comprámos cervejas e vieram buscar-nos numa embarcação de borracha com motor. A festa tinha rapazes e garotas que, como eu, eram financiados por pai-trocínios e heranças de tias, todos eles comedores e fumadores de coisas vegetarianas. Falavam de sustentabilidade e lançavam pragas – não tinham cojones para atirar bombas – a todos os franchises que invadiam o Rio. Odiavam os riquinhos fashion week de São Paulo e tinham feito voluntariado na favela. Um queria ser músico (tinha um iPod), outro dizia ser escritor de romances no twitter, outra enrolava charros com a minúcia de uma criança asiática a coser ténis internacionais. <br />Márcio era um vendedor de si mesmo, omnipresente no veleiro e no planeta – tinha estado com xamãs mexicanos e guerrilheiros do médio oriente. Escrevia, cantava, salvava espécies em vias de extinção. Tinha uma sunga apertada para salientar aquilo que não podia anunciar em voz alta no contínuo documentário ambulante que era a sua vida. <br />Cira não fazia parte daquela tripulação. Havia ali arroz com feijão em alguma parte do seu cabelo. E na bunda. Era isso, a bunda. Cira abria todas as portas, tinha uma bunda-mestra que lhe permitiria agradar em todo o lado, do Meat Packing District, bebericando cocktails pela mão de um vampiro de Wall Street ou friccionando coxas e mamas e bunda num baile funk com mais coca que farofa e tiros de AK 47 disparados em celebração de sua glória para o céu do Rio Janeiro. <br />Cira estava naquele veleiro porque todos – incluindo as garotas cada vez mais dengosas e dançarinas – queriam comê-la. <br />Márcio ofereceu-se para ir comprar mais cerveja. Levou Cira consigo. Caiu a tarde, avançou a noite e Cira não regressava. Na última vez que a vi, os soldados do quartel ajudavam-na a subir para o cais. Márcio, sabendo que não regressaria ao veleiro do papai Bonaparte, caminhou ao lado daquele corpo para fazer bebés, a mão dele colada nas costas dela, escorrendo para a bunda, uma prova da sua vitória. Depois fez um adeuzinho para o barco.<br />Eu fiquei longe da costa e dos flancos de Cira. Foi então que surgiu Regina com um baseado que parecia um archote: “Você conhece Fernando Pessoa?”<br /><span style="font-weight:bold;"><br />Ela é a moça certa carregando aquela tocha</span><br /><br />Regina era daquelas maconheiras místicas que fala sem parar, enlaçando ideias que julga brilhantes, perdendo-se a meio de uma frase. Mal soube que eu era um escritor famoso não publicado, meteu-se a recitar Alberto Caeiro. <br />Perguntei: “Conheces o trabalho do Luiz Pacheco?” <br />“Oi?”<br />“Acordou um triste dia/ Com uns cornos bem bonitos./ E perguntei à Cira/ porque me pôs os palitos.”<br />“Esse Pacheco conhecia a Cira?”<br />Porque não me apeteceu explicar que mudara o nome de Maria por Cira, porque Regina verbalizava para cacete, porque era poetisa e dramaturga, porque tinha boca de boa dicção e nenhum batom, fiz aquilo que em vulgus lusitanus se conhece como: saltar-lhe à boca. Ela seria o meu farol. <br />Regina não aguentou os beijos de olhos fechados, as voltas e voltas que o fumo, as odes e a cerveja davam dentro da sua cabeça. Bastava olhar para ela para perceber que se sentia como a hélice de um helicóptero. Pediu licença, vomitou borda fora e foi dormir para uma das cabinas. E eu, sem acesso ao barco de borracha que Márcio deixara tão longe como Cira, ponderei saltar para a água e, caso soubesse nadar, ir chapinhando como uma criança amuada até casa. Queria fugir dali. Mas não há duas sem três. E existem tantas coisas melhores do que estar sozinho. <br /><br /><span style="font-weight:bold;">Não é por desmerecer nem dizer que a fila anda, mas agora vou falar do meu amor por Nana</span><br /><br />Meu bem supremo, mãe da minha prole por nascer, minha cama, meu nano e micro amor maior. Nana: minha salva-vidas, meu resgate aquático, sereia que se jogou para o mar quando caí borda fora por exageros alcoólicos, campeã da respiração boca-a-boca. O que tenho para dizer sobre ti vai muito além das minhas limitações com palavras. Mas prometo uma coisa. Se ao fim de quinze dias ainda estivermos juntos, mudas-te cá para casa e fazemos um filho. Eu deixo de ser escritor não publicado, paro de beijar artistas e de tentar apanhar aviões com bunda premiada, e arranjo um emprego. Que se dane a literatura. Eu só quero que o amor passe a ser um lugar-comum. Cansei de lugares raros e difíceis de alcançar. Cansei de amor de pau duro e poesia. Preciso de alguém que me salve de um naufrágio. Preciso de ti, Nana. <br /><br />* <span style="font-style:italic;">Canção do músico brasileiro Lucas Santtana</span>Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-86162791826052036682011-06-19T10:45:00.002+01:002011-06-19T10:47:06.086+01:00A vingança da hortaliça<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiqK9Qac3mKQmYJH1AalSrWAaOvf2D3ABU11KVvYcdmjx-O-g_YusrEYEQt3Md2vyAJOSy5PuzYNEd1T-USIm4pcUSjT5InLS-WQEkg9twrvAQu-jRdEPhpL7J04i7ySieDZnsDCZ271FQ/s1600/MEGA-PIC-NIC-CONTINENTE-788006.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 200px; height: 120px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiqK9Qac3mKQmYJH1AalSrWAaOvf2D3ABU11KVvYcdmjx-O-g_YusrEYEQt3Md2vyAJOSy5PuzYNEd1T-USIm4pcUSjT5InLS-WQEkg9twrvAQu-jRdEPhpL7J04i7ySieDZnsDCZ271FQ/s200/MEGA-PIC-NIC-CONTINENTE-788006.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5619865145539087186" /></a><br />"Quinta-feira, final de tarde e desço a Avenida da Liberdade. Faltam ainda dois dias para o mega, super, jumbo piquenique organizado pelo Continente, com concerto de Tony Carreira, e a avenida já está cortada. Nas laterais, os carros parecem tão parados como um aeroporto em greve. Vejo os condutores irritados ou derrotados como cães esquecidos no calor dos estofos. No centro da avenida (sem automóveis) estão os canteiros com vegetais, uma horta entre o Marquês e os Restauradores." <br /><br />Para ler o resto, <a href="http://www.ionline.pt/conteudo/131200-a-vinganca-da-hortalica">cliquem aqui</a>.Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-3993418534844200362.post-7077624700819487992011-06-17T10:32:00.002+01:002011-06-17T10:35:06.864+01:00Carta cândida aos apóstolos<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgs2GnUUjlYg91juAC5fELoVAszxOciTUXKWaqWLZPTt4SL9O1FSbXTbMUT5XsJK3Q8dTWHZomqhb1EaU_DN_q8dp2PW0WK-pUh9DmTch8T-e0BKr8ZVkzySR_hIK90st884otJiRIFBLY/s1600/portas.jpeg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 200px; height: 112px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgs2GnUUjlYg91juAC5fELoVAszxOciTUXKWaqWLZPTt4SL9O1FSbXTbMUT5XsJK3Q8dTWHZomqhb1EaU_DN_q8dp2PW0WK-pUh9DmTch8T-e0BKr8ZVkzySR_hIK90st884otJiRIFBLY/s200/portas.jpeg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5619119887741602578" /></a><br />"Senhor Pedro e senhor Paulo, nada disto tem a ver com o outro Senhor, falo-vos sobre as coisas de César, sobre a terra e o mar e as pessoas que habitam esta cave solarenga da Europa, cada vez mais ilha e menos península. Não quero um subsídio, cunhas ou sequer fazer reclamações. Tampouco peço milagres. Mantenhamos os pés no chão e falemos da terra, do mar e das pessoas que perderam a ilusão da harmonia com o resto do continente."<br /><br />Para ler tudo, <a href="http://www.ionline.pt/conteudo/130877-carta-candida-aos-apostolos">cliquem aqui</a>.Hugo Gonçalveshttp://www.blogger.com/profile/11377202945046426897noreply@blogger.com0