segunda-feira, 29 de junho de 2009
Jogo de espelhos
Não tiveste sequer tempo para sentir a nostalgia dos domingos. Cruzaste a rua com roupa acabada de estender nas janelas, o cheiro do amaciador ondulando sobre os passeios e debaixo dos pés a efervescência do asfalto depois da chuva tropical de Lisboa. Subiste a colina debaixo da água sem sequer te importares com a roupa fria colada ao corpo. Ficaste encharcado, a cabeça a escorrer. Trabalhaste num domingo quando os outros aproveitam a leveza de estar dentro de casa se por acaso chove. Pensaste que ainda há uma semana estavas numa ilha, a pele morena e manchas de sangria no colarinho da camisa. Estás cansado mas apetece-te escrever. Na casa, de janelas abertas, apenas se escutam os dedos nas teclas e uma vibração de electrodomésticos. Não está aqui mais ninguém. Este dia acabou. E agora? It's going to be alright rocket man.
domingo, 28 de junho de 2009
sábado, 27 de junho de 2009
quarta-feira, 24 de junho de 2009
Cardiologia
terça-feira, 23 de junho de 2009
sábado, 13 de junho de 2009
quinta-feira, 11 de junho de 2009
Portugal Meu Amor
Ontem vi escrito, a tinta vermelha, na Praça da Figueira, "Vencemos outra vez, 64 por cento".
Portugal foi o país da UE com maior abstenção. E pelos vistos há quem se orgulhe disso.
Porque somos tão avessos a melhorar as coisas?
"Sim podemos?", hoje às 23h15, estreia o episódio sobre a política nacional, programa "Portugal Meu Amor", na Sic Radical.
segunda-feira, 8 de junho de 2009
Bailarico Eleitoral
Ontem, noite de eleições e alguma ressaca, percebi que a política em Portugal é mais ou menos como a festa antecipada dos santos populares que acontecia na minha rua, no Grupo Desportivo da Pena, com música de Quim Barreiros a abanar-me as paredes da casa e do cérebro.
Os discursos dos candidatos e dos líderes partidários foram tão inconsequentes como as letras da música pimba. Não vi nenhum líder falar da vergonhosa abstenção nem sequer da Europa - falar do que vão lá fazer, do que é preciso que façam. Não os ouvi ser clarividentes quanto aos nossos problemas e muito menos motivadores, ou objectivos, quanto àquilo que precisamos de fazer para sair da modorra mental e da leveza e conivência com que se trata a corrupção, os erros governativos, a mesquinhez do combate partidário. Os políticos ontem falaram uns para os outros e para si mesmos. Só faltou falarem de si na terceira pessoa.
Ouvi o primeiro-ministro usar a estratégia retórica de um treinador de futebol. Sócrates disse que este resultado não ia desmotivar o governo, e só ia fazer com que o executivo trabalhasse mais. Ainda bem que há eleições europeias para motivar os governos quase no fim da sua legislatuta. Já não há equipas pequenas. Todos os jogos são difíceis. Matematicamente ainda é possível ser campeão.
Houve ainda um detalhe que me revelou mais alguma coisa sobre o primeiro-ministro. Percebi que estava irritado e, como já demonstrou antes, tem a impaciência de um pai ao volante, com um filho desrespeitador no banco de trás; o pai que trava a fundo, que ergue as sobrancelhas, que grita na direcção do filho, libertando balas de cuspo entre as palavras. Ontem, usando a derrota como um casaco de fazenda que pica a nuca e os sovacos, e antes de responder às perguntas dos repórteres em sobressalto, Sócrates disse, inquieto, para não se aproximarem demasiado do púlpito nem subirem para o palco onde falava. E é assim que me parece que trata os portugueses: como o pai que tem a certeza do caminho, que quer chegar a horas (as suas horas) a um destino que talvez esteja errado mas que é o seu destino, e que diante de qualquer questão sobre a escolha da rota, diante do desassossego das crianças (nós) no banco traseiro do carro, se presta a largar um grito e a ameaçar com um castigo, se não mesmo com um calduço.
Outra coisa que me fez comparar a festa do Grupo Desportivo da Pena com a noite das eleições, foi a inclinação para os cânticos futebolísticos dos apoiantes dos partidos. Eu sei que, em Portugal, futebol e política se encontram tantas vezes na cama, e clandestinamente, como o marido casado que vai às putas. Mas há limites para a futebolização das nossas mentes. Na maioria das sedes dos partidos (com grande destaque para o coro de Santo Amaro da JSD), cantou-se e gritou-se como se duas equipas de liceu se enfrentassem na final do campeonato. Coisas como “Ninguém pára o Rangel”, “Manela vai em frente, tens aqui a tua gente” ou o fascinante exercício pedagógico, ao género da Rua Sésamo, de juntar uma letrinha a seguir a outra e a outra. “É Jota, é D, é JSD". Até os sofisticados esquerdistas, comedores de trufas e detentores da arrogância moral de quem acha que é sempre dono da verdade, agitavam bandeiras como se fossem adeptos do Leeds United e gritavam, com a criatividade dos contabilistas: “É bloco, é esquerda, é bloco de esquerda”.
Eu compreendo a alegria de vencer eleições, e ontem parece que houve imensos vencedores. Compreendo a festa, a agitação vocal e a vontade de cantar. Mas se os discursos tão frouxos e vazios forem constantemente interrompidos para gritar o nome do partido ou “Portugal, Portugal”, estamos a usar um penso rápido quando precisamos de um transplante. Os gritos e as bandeiras agitadas parecem-me cuidados paliativos (o palhaço que vai visitar as crianças com leucemia) em substituição da dolorosa cirurgia que realmente precisamos. No fundo, a noite de eleições pareceu-me o campeonato de karaoke amador no Grupo Desportivo da Pena. E deve ser por isso que ainda me sinto com ressaca.
quinta-feira, 4 de junho de 2009
Lambadas e números de telefone
(O Jornal de Letras desafiou-me a escrever sobre um dos meus professores. Fica aqui o resultado)
Isto eu não aprendi na escola: as memórias estão atarrachadas a sentimentos e emoções. Como tal, temos mais dificuldade em recordar números de telefone e recuperamos com rapidez uma melancia que comemos debaixo de um pinheiro, junto de uma praia com falésias e um avô que era perito em desmantelar a fruta enquanto assobiava fados do Alfredo Marceneiro.
Se me lembro da escola – um colégio católico de rapazes e uma universidade reaccionária e pública num palácio decadente –, lembro-me, por exemplo, de como S.G, professor de francês, contribuiu, com as suas mãos sempre prontas a disparar estalos, para que o meu domínio da língua gaulesa seja hoje qualquer coisa de insuficiente entre o Bon jour madame, un café, s'il vous plait, e o Je ne parle trés bien français, je suis desolé, mademoiselle. S.G. tinha regressado de África depois do 25 de Abril, e na sua postura esticada, nas suas falanges longas e castigadoras, vingava um qualquer ressentimento antigo, que se exprimia através do medo que impunha nas suas aulas.
S.G, director de turma, obrigava um aluno por dia a tomar conta do quadro: apagá-lo depois de cada aula e escrever, no lado esquerdo, a data e a lista de aulas desse dia. O “aluno do quadro” tinha ainda de deixar na secretária de S.G uma caneta vermelha e dois cadernos, forrados e colados, de forma a criar uma bolsa, entre os dois, onde se guardavam folhas de dossier (para exercícios) e folhas de teste (para os dias de terror). O primeiro caderno servia para os sumários de cada aula, escritos no quadro, e passados a limpo, em casa, a partir de uma sebenta que éramos obrigados a usar – S.G odiava que apagássemos ou riscássemos, tirando pontos percentuais dos testes por cada correcção ou tentativa de eliminar uma palavra com borracha para caneta. O segundo caderno era usado para os trabalhos de casa. S.G explicava a exigência da caneta vermelha assim: “Não vou gastar a minha tinta para vos corrigir”.
Os primeiros cinco minutos de aula assemelhavam-se a uma sessão de tortura pública do Santo Ofício: em vez do pelourinho o quadro, em vez de chicotes e archotes, a caneta vermelha e as palavras humilhadoras de S.G, essa ameaça constante de que um erro ortográfico, no quadro, valeria um puxão de orelhas a estalar as cartilagens. Tanto o judeu medieval como o aluno do 7º ano, turma D, tinham em comum o temor pela autoridade e a incapacidade de perceberem porque estavam a ser castigados.
Lembro-me de mais professores maus, tanto no colégio como na universidade, do que de professores bons (tão poucos). Fui percebendo que ser bom professor não significa ter um grande domínio da matéria dada, como acontecia com um catedrádito, na faculdade, que ditava de cor o seu livro – todo, em bocejantes aulas, às oito da manhã, em que não podíamos fazer perguntas. Estávamos em 1994. Comprendi que há demasiado docentes que não têm jeito algum para aquilo, como o professor que todos os anos repetia uma pergunta na frequência do primeiro semestre (O que é a Sociologia?), obrigando que a resposta fosse uma cópia, palavra a palavra, da definição que ele expusera no seu livro há décadas.
Para quem tem apetências criativas, o nosso ensino é como o pai que obriga o filho canhoto a escrever com a mão direita. Ser professor exige uma dedicação e uma vocação admiráveis. Não é o mesmo que ser caixa de supermercado, porque pede sentido de missão. S.G não tinha nada disto. Tinha ido parar ali por uma cambalhota improvável da vida, transportava ainda esse método de ensino “Mete-lhes medo e e bate-lhes quando se enganam”, acreditando que a disciplina austéra (uma mistura de Sazalar e Cardeal Cerejeira) criaria cidadãos impecáveis na aparência e lineares na cabeça.
Sempre que me encontro com os meus melhores amigos desse tempo, repetimos as histórias de S.G e rimos muito, algo que, se acontecesse na sua aula, valeria uma bofetada no focinho (“Ficas desenhado na parede, ouviste?”) e uma falta disciplinar. Não me lembro de cor de nenhum dos números de telefone desses meus amigos e, no entanto, lembro-me de tudo isto. E rio-me. Sem ressentimentos nem pulsão para a vingança, mon chéri monsieur S.G .
segunda-feira, 1 de junho de 2009
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