sábado, 30 de abril de 2011

Feira do Livro


"Fado, samba e beijos com língua", já está nas livrarias e eu estarei na Feira do Livro de Lisboa nestes dias:

Sábado, dia 30 de Abril, às 16h30
Sábado, dia 7 de Maio, às 18h00
Domingo, dia 8 de Maio, às 18h00

E aqui fica mais uma crónica de fim-de-semana: Kátia & Wanderlei, um casamento real, no jornal i.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Fado, samba e beijos com língua


Já está nas livrarias e amanhã, terça-feira, é o lançamento oficial do livro. Quem quiser que apareça, será bem recebido.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Relicário de um homem solteiro, crónica semanal no i


Três: a conta que deus fez

João
Ele acendia o cigarro mas nada. O ecrã continuava branco. Não havia outra maneira de dizê-lo: estava seco como a terra depois de uma queimada. Sentia-se tão falso como uma carteira dos chineses. Tudo o que pensava escrever naquele computador era apenas a derivação de algum filme antigo ou de um livro que já lera.
Comia hamburguers, fumava mais que a Petroquímica em hora de ponta, barbeava-se pouco. Não estava no melhor momento de forma. E havia contas para pagar.
O problema era a falta de um ordenado depois de anos e anos numa redacção de jornal, décimo terceiro mês, um sítio onde ir todos os dias. Agora, sem emprego, queria escrever umas memórias, um romance, a reportagem que daria um livro. Mas nada. Passara demasiado tempo a fazer a mesma coisa. Tinha menos de 40 anos e comportava-se como um velho despedido três anos antes da reforma.
Em algumas ocasiões, lúcido como um asceta vegetariano, disse ao espelho: “Deixa de te queixar.” Mas depois, em vez de escrever, punha-se a ver, pela enésima vez, “A Floresta Petrificada”, com Bogart a fazer de bandido.
Na mesa, ao lado do computador, acendeu-se a luz do telemóvel em modo de silêncio. Ele resistiu. Não foi ver.
João usava gabardines e até chapéus de detective. Acreditava na decência e na beleza do jornalismo. Era um romântico ultrapassado pela rapidez das notícias cuspidas a metro, não produzia tantos artigos como os estagiários, julgava que o apuro na prosa ainda servia para alguma coisa. Foi despedido e desde então nem cigarros o salvavam do aborrecimento. Passava os dias a ver filmes de gangsters, imaginando ser tão duro como James Cagney. Não era e nunca seria.
Abriu as janelas e havia um sopro de Agosto no início da noite. Ia escrever como Kerouac em speed. Ia escrever durante semanas. O telemóvel voltou a acender a luz. A primeira mensagem dizia: “Estou em casa com uma amiga a beber tequila.”
A segunda mensagem dizia: “Vem.”

Isabel
Não era a primeira vez que beijava uma mulher. Mia disse-lhe: “Outro”. Isabel beijou-a, provou o vapor da tequila, o seu polegar subiu pelas costelas, pousou no mamilo, fez peso. Mia disse: “Queria outro copo de tequila, mas isso também pode ser.”
Isabel foi buscar a garrafa. Não tirou os sapatos de salto – parecia que nunca os tirava. Todas as horas de voo, reuniões, noitadas a fechar projectos se podiam notar quando ficava bronzeada. Isabel sabia que aquelas rugas e manchas davam tesão a alguns homens mas afastavam outros. Com as mulheres era diferente.
Isabel cortou limão para a tequila. Mia investigava as lombadas dos livros. Disse: “Tanta poesia.”
Isabel tinha mais livros que muitos escritores – profissão que nunca tentara apesar dos diários acumulados desde a adolescência e da fome de histórias no papel. João, seu amante ocasional, sempre estranhou como Isabel não se punha a fazer aquilo que mais amava e, em vez disso, passava horas a analisar a viabilidade de empresas em escritórios alcatifados. A verdade é que João não sabia muito bem o que ela fazia. Interessava-se mais pelas suas pernas de sapatos de salto, pelo despojamento do seu corpo de mulher – não uma miúda, mas uma mulher com estrias, o peito um pouco descaído, uma mulher sem medo de ficar com a cama vazia no dia seguinte. João deixou de telefonar quando ela lhe perguntou, depois de uma sessão de cama sabotada pelo excesso de vinho: “Para quando esse livro?”
João respondeu: “E tu, quando é que te casas em tens um filho?”

Mia
Mia pegou num dos livros. Disse como se beijasse alguém na boca: “Música de Cama”. Disse como se estivesse no palco: “Título: Tri(n)o; autor: David Mourão Ferreira.” Disse como se tirasse a roupa: “As vossas quatro mãos/ As minhas duas/ Ó bando de seis aves no lençol.”
Fizeram um brinde, Mia tapou a boca com os dedos quando o álcool passou a fronteira da garganta. Tinha os olhos húmidos, as pernas bambas, o cabelo na cara. Perguntou: “Já fizeste um trio?”
Mia era filha de pais americanos mas nascera na Mouraria. Cresceu a brincar no Martim Moniz e passava férias na liberdade arborizada da Califórnia. Os pais eram meio hippies meio libertários e incentivaram-na a cantar fado. Mia tornou-se na fadista mais alegre da história. Era uma daquelas pessoas de bem com a vida, uma “loved child”, sem traumas ou melancolias. Mas cantava o “Fado do Ciúme” e parecia que algum homem tinha, de facto, saído de casa para as coxas da amante sem dizer se regressava. Mia cantava numa tasca e senhores de bigode punham-se a limpar os olhos com um lenço de pano. Mia dava uma volta de diva desgraçada no “Fado Português” e logo alguém gritava: “Ah boca linda”.
A boca de Mia: cheia de lábios e língua e tequila e paixão de fadista. Ela tinha um t-shirt que dizia: “Experimentalista”.
Isabel ouviu a campainha. Mia continuava a beijá-la, não queria parar. Isabel disse: “É ele.”

Três pares de asas nos lençóis
João caminhou nu pela cozinha. Todas as janelas estavam abertas e, ainda assim, os corpos naquela casa tinham a pele coberta por uma película agridoce de suor. Abriu a torneira e meteu a boca no jacto de água. Lavou a cara, viu um maço de cigarros na mesa mas distraiu-se com os gritos marítimos das gaivotas sobrevoando Lisboa. Uma vez na vida não ia ser um lugar-comum. Uma vez na vida não ia acender um cigarro para estilizar a cena. Sentou-se no parapeito. O sol começou a aparecer sobre a Graça, espalhando uma claridade meiga nas fachadas da Baixa. Era de manhã que esta cidade lhe parecia mais portuária, mais imprevista, cargas e descargas, floristas que chamam os fregueses, navios arrastando-se no Tejo para um lugar onde ele não estava.
João voltou a cobiçar os cigarros. No quarto, Mia e Isabel dormiam com as pernas entrelaçadas. Dormiam profundamente, saciadas e com a respiração de quem bebeu e fumou de mais, um fio de baba escorrendo dos lábios de Mia.
João procurou uma caneta e um papel. Queria tirar notas. Talvez aquela noite fosse o começo de alguma coisa extraordinária. Talvez fosse a estreia de uma relação com três pessoas, uma outra promessa de felicidade, um triângulo perfeito com filhos e casa de férias, a harmonia de uma santíssima trindade. Talvez aquela fosse a história que ele sempre procurou viver e escrever.
Enfrentou o espelho da casa de banho: “Deixa de te queixar. Dá graças pelo que tens.”
Depois voltou para a janela e anunciou a Lisboa, sem uma peça de roupa no corpo, a primeira frase da sua obra-prima.

Já cá canta e já está nas livrarias

segunda-feira, 18 de abril de 2011

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Relicário de um homem solteiro, nova crónica, semanal, no suplemento LiV, do jornal i



Decoração, arrumação e outros fretes domésticos

1
O amor (ou a ilusão do amor) já fez muito pela indústria do mobiliário e das coisas inúteis que se espalham pela casa. Um homem apaixona-se e um empresário bate palmas em Paços de Ferreira.
Ela vinha do sótão da Europa e ia ficar pela primeira vez na minha casa de estrunfe em Madrid – 35 metros quadrados, dois bicos eléctricos no fogão, um frigorífico que não me chegava à cintura, um quarto sem janelas, um depósito de água quente que dava para um duche e meio, um sofá de molas torturadoras, o despojamento de quem vive sozinho e, mais por preguiça do que por convicção, se justificava: “Os objectos são sobrevalorizados.”
Há anos que era assim: tudo o que tinha cabia em duas malas e poucos caixotes. Mas ela vinha visitar-me e, com medo que não gostasse de mim (com medo que não gostasse do minimalismo de mau gosto do apartamento) pus-me a caminho do IKEA num carro emprestado. Como se tivesse entrado num supermercado morto de fome, meti-me a comprar tudo aquilo que imaginei que ela pudesse gostar: velas aromáticas, um tapete para a sala, uma capa de edredão, individuais e talheres, um wok e até um cacto. La pièce de résistance: uma estante para os livros (ainda arrumados em caixotes). Muitas horas depois, debatendo-me com as instruções e com parafusos e com chaves que me esfolaram os dedos, a estante estava montada. Mas, como o nosso amor, demasiado instável. Aquela não era a minha estante.
Uma amiga, quando viu a nova decoração, disse: “Isto não és tu.” O que ela queria dizer: “Não sejas outra pessoa para agradar à menina.” O que disse o filósofo Alain de Botton sobre o assunto da perda de autenticidade quando estamos apaixonados: “Se ela gostava de homens duros, eu seria um homem duro, se ela gostava de windsurf eu seria um windsurfista, se ela odiava xadrez, eu odiaria xadrez (…) era como se o meu verdadeiro eu provasse um fato demasiado apertado (…) um homem gordo provando um fato que era demasiado pequeno (…) O amor estava a fazer de mim um aleijado.”
Ela não sabia o empenho que eu tinha posto na decoração. Ela tinha um apurado sentido de bom gosto, moda e feng shui. Ela foi-se embora passado três dias. Fui visitá-la na sua cidade. Não foi uma surpresa. Estas coisas sabem-se. Deixei-lhe um ramo de lírios na sala no dia da despedida. Não valia a pena dizer mais nada: fim.
Tinha mais mobília em casa e ainda me sentia apertado num fato justo que fazia comichões.
Deixei o cacto morrer. Voltei a ser eu.
Com uma nova estante.

2
O amor (ou a ilusão do amor) já fez muito pela arrumação e limpeza das casas. Um homem apaixona-se e no dia seguinte está no supermercado a comprar produtos de limpeza que jamais ouviu falar, rótulos que garantem “Poder total”, “Sem amoníaco”, “Limpeza em profundidade em toda a casa”. Um homem apaixona-se e vê-se de joelhos e com luvas de borracha, esfregando retretes, caçando bolas de cotão, distraindo-se, por momentos, da necessidade de ser mais asseado, porque encontrou jornais velhos e se põe a ler artigos com anos de vida.
O amor lava mais branco.
Na minha vida de adulto tive apenas uma empregada. Lili falava mal português, o que para mim era um alívio. Nunca soube dar ordens a quem limpa. Nunca quis dar ordens a quem limpa. Lili aparecia uma vez por semana e, no dia anterior, envergonhado com o desarranjo da casa, punha-me a arrumar e a limpar. Tinha vergonha.
Durante uma temporada no Rio de Janeiro, Ana Maria, faxineira, aparecia uma vez por semana (éramos quatro naquela casa, precisámos ajuda), com a sua pele de pau Brasil e a barriga pendendo entre o top e as calças de licra. Na primeira vez disse: “Quer que eu faça seu café da manhã? Quer que eu cozinhe? Quer que eu passe as camisas? E eu, que há anos seco as camisas em cabides para não ter que manobrar o ferro de engomar, fugi para a rua: “Vou correr, até já Ana Maria.” Se uma empregada entra em minha casa, eu saio. Não fui feito para mandar.
Mas mesmo que concorde com P.J. O’Rourke – “Manter uma casa limpa e arrumada é tão desagradável como ser mineiro” – aparece o amor (ou a ilusão do amor) e lá estou eu a aspirar, a branquear a banheira, a fazer máquinas de roupa consecutivas, a ser uma versão mais organizada de mim mesmo. Com amor há menos ácaros em casa. Tudo cheira a lençóis lavados. Depois uma das partes fala como se fosse poesia de Ramon Mello (pelo menos na minha cabeça): “Não prometi amor/ perfeito eterno apenas/ uma trepada na noite/ de sábado goza veste/ e vai embora”. E é dessa maneira que começam a nascer outra vez bolas de cotão nos cantos da casa, nos esconsos mais inalcançáveis do coração.

3
Vivo, pela primeira vez, enquanto adulto, numa casa com bonitos móveis (são da senhoria). Já preciso de mais que duas malas e alguns caixotes caso volte a mudar de casa, cidade ou estado civil. Tive, recentemente, uma empregada mais dedicada ao seu oficio que um fundamentalista islâmico, mais opinativa quem um comentador de política: “Como é que consegue viver aqui com tanto pó?”, “Estes jornais velhos vão para o lixo”, “Tenho um filho da sua idade, sei como vocês são.” Ela entrava em casa e eu punha-me a milhas do ruído do aspirador e do barulho da sua censura de empregada impoluta.
Enquanto escrevo olho em meu redor: ténis no meio da sala, loiça empilhada, roupa por lavar, livros no quarto, no chão, em cima do bidé. E os jornais que ela tanto odeia por todo lado. Tenho de ligar-lhe em breve. Ou talvez não. É Primavera, as hormonas parecem amendoeiras em flor, o sol empurra os corpos para a paixão, as pessoas beijam-se com mais frequência e, como tal, as casas ficam muito mais limpas.
Para quê gastar dinheiro em empregadas quando basta o amor (ou a ilusão do amor)?

Novo livro: "Fado, samba e beijos com língua"


"Estes textos só fazem sentido como um todo, como a memória selectiva de que são feitos os romances, porque vão da infância mais remota aos dias que, em Dezembro do ano passado, vivemos no Brasil – um retrato de um português metido nas aventuras, sarilhos e dilemas em que sempre se mete a personagem de um romance." João Tordo, na introdução ao "Fado, samba e beijos com língua. Nas livrarias a 20 de Abril.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Relicário de um homem solteiro, nova crónica, semanal, no suplemento LiV, do i, todos os sábados


Rock & roll, um fim-de-semana em Amesterdão

Tighten up
Quem viajou com amigos sabe que é sempre assim. Começa logo no aeroporto: as piadas, as alcunhas, alguém que perde o cartão de embarque, alguém que pergunta: “Não é melhor comprar um volume de cigarros?” Quatro rapazes portugueses com escala em Madrid a caminho de Amesterdão.
No ar, a milhares de pés de altitude, as bolhinhas da lata de cerveja são mais bolhinhas no carrossel do sangue. Vai ser uma boa noite. Vamos ver os Black Keys em concerto. Apetece dizer, como nos filmes: “Rock & Roll.”
Chove na pista de aterragem, uma película que abafa toda a cidade, tornando os bares mais bonitos, um aconchego de madeiras e fumo e conversas disparatadas. Um dos amigos revela o segredo para entrarmos no concerto tão entusiasmados como a banda: “Beber shots de whisky.” Fast forward alcoólico: quatro rapazes portugueses diante dos cacifos da sala de concertos, incapazes de descodificar o seu funcionamento enquanto pessoas muito altas e muito loiras, sem dificuldade, guardam os seus casacos e fecham as portas de metal. Alguém diz: “Somos um bocado incivilizados.” Mas os rapazes, mais bárbaros por causa do halo de whisky em seu redor, até conseguem meter notas na máquina que dá fichas de bebida, provocando um barulho bom de jackpot e a mesma ansiedade feliz de quem acaba de entrar na discoteca e se dirige para o bar.

Give your heart away
É por isto que acredito que a música é a arte mais física. Tenho o casaco enrolado no braço e salto como num videoclip, pratico air guitar, air drums, sinto o tecido da camisa tão colado no corpo como nas noites em que já não importam as manchas na roupa e as nódoas negras na pele. Só interessa a música, a aspereza harmoniosa da guitarra, a pulsação da bateria a comandar milhares de pessoas. Olho para os meus amigos e não é preciso dizer nada. Os seus corpos em efervescência, o suor na testa e no bigode, os lábios repetindo cigarros, lançando-se nos copos, gritando: “Thighten up your reigns, you’re runnning wild/ Running wild, it’s true”. São cavalos de corrida rasgando o fumo da sala, explosões químicas nos neurónios, apetite pela selvajaria pacífica, esticar a corda mais um bocadinho.


Toda a teoria da psicologia das multidões ganha mais crédito se houver banda sonora, ou seja, com os Black Keys a tocar não importa que os adolescentes translúcidos e sem T-shirt iniciem moches e façam o público abanar como um barco, não importa que as pessoas se toquem, suadas e bêbedas, não importa que façam figuras ridículas quando imitam os músicos no palco, não importa quase nada.
Teoria da psicologia das multidões num concerto dos Black Keys: o abandono, o momento antes da colisão, a cabeça seguindo a serpente encantada do rock, o corpo soltando-se como quem parte uma guitarra ou se atira de uma prancha ou rasga as alças do vestido e morde outra boca como se fosse fruta.
E depois acabou.

Same old thing
O resto do fim-de-semana é ocupado com esplanadas e passeios em parques e visitas a coffee shops. Passamos ao lado da casa de Anne Frank e alguém atira uma graçola: “Diz aí aos gajos na fila que ela não está, que foi de férias para a Polónia.” É assim há muitos anos. Os rapazes dizem disparates, roçam o mau gosto, repetem as mesmas piadas ad nauseam, provocam-se com os desafios que conhecem da escola primária, embora agora subam a parada: “Dou-te cinco mil euros se saltares para o canal.” Mas é na parvoíce, na liberdade de ser outra vez menino, na distância do despertador, da diplomacia social, das notícias apocalípticas, do semáforo que não abre, da miúda que não liga, é nessa distância – uma espécie de viagem no tempo – que também me sinto próximo dos gajos que são meus amigos.
Manhã, pequeno-almoço junto ao canal: “O que é que preferias, ser o velho fanhoso que estava a vender bagels naquela cave ou a prostituta gorda que vimos ontem na montra a comer esparguete?”
Same old thing.

Aeroplane blues
Quando um dos rapazes toma a liderança numa missão nublada ao coffee shop, alguém diz, gozando com a sede de poder do novo macho alpha do grupo: “One man wolfpack.” E a frase pegou. No entanto, esta não é uma alcateia de um homem só – a frase aplica-se mais a indivíduos como o Rambo, o Batman ou o John “yippee-kai-yay, mother fucker” McClane.

De regresso ao mundo dos grandes: a alcateia que nunca precisou de líder, unida mas cansada, está no aeroporto e o avião atrasou-se, os silêncios tornam-se mais longos, por vezes interrompidos por uma sessão de disparate, resquício das substâncias na corrente sanguínea, uma dormência, o regresso a casa, mais nada para dizer após um ataque de riso.
Olho para eles, répteis ressacados procurando o sol na janela do aeroporto, ouvindo música, enviando mensagens. E escrevo no caderno de notas aquilo que fica. Alguém dizer “É já aqui” e andarmos sempre mais meia hora. O jogo “Consegues lembrar-te da antepenúltima miúda gira que viste?”, que não é tão fácil como parece tendo em conta o número de miúdas giras em Amesterdão e o efeito da erva na memória de curta duração. Chaço = mulher muito feia. Espingardus = pessoas de nacionalidade francesa. O poder do whisky e as lágrimas nos olhos ao quarto shot. As luzes desfocadas na janela do táxi. E a guitarra eléctrica como um motor no lugar do coração, a loira que mandou um beijo antes de beijar o namorado, os meus amigos sem dizer nada, só a música, o estrondo, a subida da montanha russa, a certeza que o efémero também pode ser denso e que, quando acabar a viagem, alguém vai dizer:
“Para o ano há mais.”