domingo, 4 de outubro de 2009

Semana de reflexão


Tinha programado um texto, logo no dia após as eleições, de forma a compilar os momentos mais cómicos e burlescos da noite eleitoral, mas também para organizar mentalmente o meu desagrado com a abstenção e com esse maravilhoso milagre que foi a vitória de todos os partidos.

Por um lado, por exemplo, achava infantil e ridículo ver os apoiantes, nas sedes de candidatura, iniciarem os gritos de campanha, como uma claque de futebol, assim que percebiam que estavam em directo – o fenómeno Emplastro não é exclusivo das pessoas que vão aos estádios de futebol. Basta ligar uma câmara em qualquer lado – numa sede partidária ou na praia Maria Luísa, onde morreram cinco pessoas numa derrocada – e os transeuntes tornam-se em amantes da objectiva, posam como estrelas, transformam-se em candidatos ao Ídolos.

Por outro lado, não reconhecia nos políticos uma postura séria e com tomates, mas sim demagógica e eleitoralista, fácil, de quem está mais preocupado com o que as pessoas pensam do que com aquilo que realmente está a acontecer em Portugal – lembro-me de Maria José Nogueira Pinto a dizer que o PSD não tinha perdido as eleições ou de Jaime Gama a fazer uma absurda comparação, explicando que, comparados com os resultados do partido vencedor na Alemanha, que também foi a votos nesse domingo, os resultados do PS eram muito bons – também podia ter dito que Portugal tem mais horas de sol que a Alemanha ou que, no ano 2000, lhes demos três a zero num jogo do Europeu.

Dois dias depois, falou o Presidente da República e o meu descontentamento passou para as 8 mil rotações. Temos cidadãos que se abstêm, políticos que se comportam como adolescentes à procura de aprovação e Presidentes da República tão desastrosos como um T-Rex numa salinha alcatifada com bibelôs. Nunca, como agora, o aforismo batido, “Temos os políticos que merecemos”, me pareceu replicar tão bem, com a precisão de um calquito, o que se passa em Portugal.

No dia seguinte, ao partilhar tudo isto com um amigo, ele sublinhou o meu “azedume” (sic), dizendo que eu dizia mal de tudo e que tinha de encontrar aquilo que está bem e valorizá-lo. Talvez o meu papel, em busca de algo melhor, seja apenas satirizar o que está mal, afinal, a sátira, a opinião, a desconstrução das coisas adquiridas podem ser excelentes exercícios de terapia para todos nós. Eu quero acreditar que todos os dias, em artigos, no blog, nos livros que escrevi, na forma como trato as pessoas em meu redor, no simples desenrolar das minhas actividades diárias, quero acreditar, dizia, que em tudo isso há um esforço para melhorar a condição humana – não fui ainda voluntário em África nem candidato ao parlamento europeu, mas talvez este seja o meu contributo: ajudar as velhinhas que não conseguem transportar os sacos do Pingo Doce, do Rossio para a Calçada de Santana, fazer metáforas online e entregar um boletim de voto em branco. A verdade é que se me pedissem para fazer um transplante de fígado ou descobrir a cura para o cancro eu não estaria à altura.

Mas, considerando o conselho do meu amigo, faço agora um esforço. Como posso eu ser mais positivo, menos exaltado com as insuficiências do meu país e das pessoas que o habitam, menos furioso com a (quase certa) eleição de Isaltino Morais? Foi então que, por acaso, descobri um historiador presidencial, norte-americano, chamado Richard Norton Smith.

Com Smith, fiquei a saber, por exemplo, que no parlamento inglês não se pode usar a palava “Mentira”, o que levou Winston Churchill a dizer ao seu opositor: “You are guilty of a terminal logical inexactitude.”

Curiosidades à parte, Smith diz que, há 40 anos, na política norte-americana, o público e os políticos definiam sucesso assim: criar boas leis, encontrar pontos em comum com os adversários, dialogar e tentar reduzir as diferenças em vez de explorá-las eleitoralmente.

Hoje, diz Smith, o clima político de Washington recompensa e define o sucesso exactamente pelas razões contrárias. O historiador explica ainda que Obama tem de recuperar a crença das pessoas na actividade política – danificada, ao logo dos anos, pelo assassinato de J.F.K, pelo caso Watergate, pelo caso Irangate e pelas duas administrações W. Bush.

Há 40 anos Portugal ainda era uma ditadura pacóvia, o que nos impede de ter grandes referências. Mas, com 35 anos de democracia, já deveríamos ter maturidade para definir o que é sucesso na política: prédios a pontapé ou educação que crie uma alargada massa crítica? Presidentes da câmara corruptos ou um eficiente e célere sistema de justiça?

A verdade é que seria difícil, tanto para os votantes como para os abstencionistas, pensar que a política poderá produzir algo de heróico ou de decisivo e fundamental para o avanço da condição civilizacional dos portugueses – talvez porque não reconhecemos em nós próprios essa capacidade.

Mais do que um possível herói, que um homem com espírito de missão e integridade, o político é visto com a mesma desconfiança com que olhamos para os trolhas que nos remodelam a cozinha (“Em menos de uma semana isto está pronto, chefe”); o político é visto com a mesma bonomia com que encaramos os comentadores desportivos e com a mesma complacência com que nos encontramos no espelho, todas as manhãs: se eu falho tantas vezes, ele também pode falhar, que se lixe – este raciocínio, juntamente com electrodomésticos e obra feita, permite que os Isaltinos e os Valentins continuem a ganhar eleições.

Por tudo isto, e tendo em conta a advertência do meu amigo (“larga o azedume”), quero acreditar que, se nós pusermos em prática, todos os dias, na nossa vida de cidadãos sem cargos políticos, os conselhos do senhor Smith – encontrar pontos em comum com os adversários, dialogar, tentar reduzir as diferenças em vez de explorá-las – e lhe juntarmos determinação, seriedade, brio e sentido de comunidade, talvez, daqui a alguns anos, nem que seja por vergonha, os políticos já não serão capazes de olhar para nós e apregoar disparates eleitoralistas; talvez seja vergonhoso para as suas carreiras que não consigam chegar a consensos que favoreçam o país mesmo que não garantam milhões de votos; talvez o serviço público, mesmo sem glória nas urnas, seja mais importante – e defina o que é sucesso – do que milhares de bandeiras em comícios e a presidência de um partido ou um cargo de director geral.

Se nós, os que não se candidatam a nada, conseguirmos, eles também conseguem, certo?

3 comentários:

Artur disse...

- The fact of the matter is that an honest man wont soil his hands with politics, and he's given no inducement to take public office.
- That's true, a live man, nowadays, wants more money, needs more money than he can make honestly in public life... Naturally the best men turn to other channels.

John dos Passos, "Manhattan Transfer", 1925

Gustavo Gouveia disse...

Aristoteles dizia que a penalização por não participarmos activamente na politica é virmos a ser governados por pessoas mais incompetentes do que nós. Pela minha parte, e afim de evitar esse mal, acabei por me filiar num partido participando dentro do aparelho e até integrando uma candidatura à minha junta de freguesia. Mantive as convicções com que entrei no jogo, mesmo depois de encontrar os 'funcionários da politica', o cancro da mesma, individuos que se arrstam nas sedes cargo após cargo garantindo a sua própria subsistencia e a de todos os que os rodeiam. O meu irmão disse-me que só era possível manter a integridade na politica depois de ganhar muito dinheiro - um homem que trabalhe durante quarenta anos e faça uma larga fortuna, terá maior capacidade de integrar só aí a vida publica activa, de ocupar um cargo de vereação ou mesmo de governo apenas sob uma motivação altruísta sem usufruir da sua posição de poder de forma a alargar a sua fortuna pessoal e de seus conhecidos. Talvez seja por isso que não haja jovens na politica, quem sabe

busycat disse...

Posso sempre tentar.

boa continuação
busycat