sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Os progressistas


Da mesma forma que o meu avô desconfia do multibanco há quem não acredite nas redes sociais. Não é apenas conservadorismo. Nos sítios de internet que compilam os twitts das celebridades, podemos encontrar a prosa descritiva do músico Tom Fletcher – “Regressei do ginásio” – ou a alegria da “tv personality” Tila Tequila – “Quem aqui é MALUCO diga euuuuu! São os meus novos melhores amigos! lol”.
De certa maneira, e apenas de certa maneira, as redes sociais são como as drogas. Tudo depende do que fazemos com elas. Beatles + drogas = Sgt Pepper. Anna Nicole Smith + drogas = suicídio. Graças ao twitter soubemos o que se passava no Irão após as eleições e, nos Estados Unidos, a Cruz Vermelha conseguiu 10 milhões de dólares para ajudar os sinistrados do Haiti.

Num artigo de capa, The Economist falava do enorme progresso dos humanos – cuidados de saúde, educação, internet etc – mas alertava que o progresso não é apenas uma lista no departamento de contabilidade: “A sociedade tem, por princípio, de ser capaz de avançar com os seus ideais, como igualdade e liberdade, ou esses ideais passam a ser a hipocrisia e o desengano”.

No facebook li, uma e outra vez, o post que pedia um minuto sem actividade nas páginas pessoais para homenagear as vítimas do Haiti – mais ou menos como acender uma velinha. Felizmente, também vi posts com números de conta para ajuda humanitária.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Première


O guionista, vestido como guionista – jeans, camisa preta, casaco preto – passa por trás dos fotógrafos e ao lado da passadeira vermelha (e vazia) no cinema São Jorge. Os flashs esperam por Soraia Chaves e os restantes membros do elenco. Tiago Santos, guionista do filme “A Bela e o Paparazzo”, está mais preocupado em saber se os pais têm lugar para ver a ante-estreia do filme que escreveu para o realizador António Pedro Vasconcelos. Tiago, com quem partilhei uma casa em Nova Iorque, podia ser o detective de um romance negro – silencioso, ácido, reservado. Pergunto-lhe se tem dado muitas entrevistas. Parece que não. E quando as revistas cor-de-rosa se interessam por ele, costumam perguntar-lhe pela vida romântica. Se abre a boca, alguma coisa vai abaixo: “Vou perguntar-lhes se também querem saber se sou circuncidado”.

Estamos no bar de um restaurante, antes da première, e o que conseguimos de mais glamouroso são os dry martinis em cima do balcão. Depois, alguém julga ver um finalista do Ídolos. Tiago, que escreveu um filme sobre a fama, diz: “Só escrevia telenovelas se tivesse que suportar um vício de heroína, jogo e prostitutas”. Ser guionista de cinema em Portugal é mais ou menos como ser a equipa jamaicana de bobsled.

No filme, a personagem de Soraia Chaves cita uma peça de Tchekov: “Percebi que, no nosso trabalho, o que é importante não é fama, nem glória, nem nada do que eu sonhava - o que é importante é conseguir aguentar.” Well, Mr Screenwriter: it beats working.

Um ano e uns dias depois


Jon Favreau, responsável pelos discursos de Obama, conseguiu o emprego com esta frase: “O que mais me impactou foi o facto de [Obama] contar uma história do princípio ao fim – uma história sobre a sua vida, e como ela se encaixa numa história maior – a história americana”.

A narrativa americana é um legado de Shakespeare: focada num herói, na transposição dos obstáculos e na forma como o herói muda durante a viagem. Os herdeiros americanos de Hamlet são Muhammad Ali, John F. Kennedy ou até Tony Soprano que, falando sobre si mesmo, descreveu a psique americana nos últimos tempos de George W. Bush: “É bom participar nalguma coisa que se construa desde o chão, e sei que nasci demasiado tarde para isso, mas ultimamente sinto que cheguei no fim, que o melhor já acabou”.

Obama foi sempre shakespeareano – o rapaz negro, que estudou em Harvard e que, apesar de todas as contrariedades, chegou a presidente. O seu percurso de mudança encaixava na grande narrativa americana.
Mas, enquanto presidente, Obama defrontou-se com outro tipo de narrativa: a tragédia grega, na qual o herói se torna num indivíduo cujo destino não depende apenas de si, está na mão dos deuses. Hoje, os deuses foram substituídos pelas instituições enferrujadas – as mesmas que negligenciaram os sinistrados do furacão Katrina –, pelos lobbies de Washington ou pela Goldman Sachs.

Durante a campanha, Obama disse: “Sou alguém que acredita neste país e nas suas instituições. Mas também acho que o país e as instituições estão danificados”. Segundo os últimos inquéritos de opinião, Obama já não é um herói shakespereano, é um indivíduo.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Rebeldes sem roupa


Os filósofos, os intelectuais e os escritores têm, muitas vezes, um certo desprezo pelos jovens que preferem o comando da Playstation ao cocktail molotov. No seu livro “Letters to a young contrarian”, destinado a inquietar a juventude resignada, Christopher Hitchens aconselha o combate ao status quo, mas alerta para a dificuldade da missão: “A maioria das pessoas, grande parte do tempo, prefere procurar aprovação e segurança.” Outro autor insolente e contemporâneo, Chuck Palahniuk, escreveu: “Somos os filhos do meio da História. Nenhum propósito ou lugar. Não temos uma grande guerra, uma grande depressão.”

Mas no México, país de revolucionários como Pancho Villa e Emiliano Zapata, duas irmãs mostraram-nos esta semana que os pensadores nem sempre têm razão. Chamam-se Fernanda e Isabel Calles, e são descendentes do líder revolucionário Plutarco Calles, conhecido por combater o controlo da Igreja Católica na sociedade mexicana e defender um governo secular. Fernanda e Isabel aceitaram despir-se para o número da Playboy que comemora o centenário da revolução mexicana de 1910. Num país tão católico como o México, a nudez de duas jovens universitárias, descendentes de um ex-presidente da república, terá tanto de rebeldia como o secularismo de Plutarco Calles há cem anos. Mudam-se os tempos, mudam-se os instrumentos revolucionários – a luta armada foi substituída pelo bikini waxing.

They won't back down


Dois homens com idades e geografias diferentes. Mas ambos com essa mania obsoleta e ultrapassada de querer fazer o que está bem. E de dizê-lo em público.

Serpico
e José Eduardo Agualusa.

Repórteres do coração


O comediante Ricky Gervais tem a habilidade de dissecar a indústria mediática com a precisão de um sabre Jedi. No episódio final da série “Extras”, a sua personagem, um actor que participa no Big Brother dos famosos, tem um momento de lucidez diante dos colegas de reality show: “A imprensa segue-nos e faz com que as pessoas achem que somos importantes. Se deixassem de nos seguir o público não saía para a rua a dizer ‘Preciso rapidamente de ver uma foto da Cameron Diaz com uma borbulha’. Dizem-nos que é exploração, mas que é o que as pessoas querem ver. Deviam ter vergonha. Eu devia ter vergonha”.

O acompanhamento televisivo da tragédia no Haiti tem gerado, por vezes, essa sensação de vergonha: quando um repórter segurou uma criança resgatada diante da câmara como se fosse a Taça Davis; quando os noticiários mostraram fotografias do desastre acompanhadas de música épica. Então, o Haiti torna-se no Ídolos, na capa da Nova Gente, no papparazo escondido nas dunas. O repórter que escolhe a exploração e que alimenta o dramatismo como num reality show mata um importante princípio do ofício: quando uma história é grande as palavras são pequenas.

Uma boa notícia para Gervais: em Inglaterra, baixaram as vendas das revistas (exploratórias) do coração. Um má notícia para o jornalismo: todos os repórteres que usam os haitianos, com empenho circense, pondo assim a tragédia ao nível das borbulhas da Cameron Diaz.