É um tema sério, mas talvez os responsáveis pela
criação de tendências não tenham compreendido ainda a relevância da barba na
história pessoal de cada homem, continuando a inventar novos tipos de macho –
depois dos metrossexuais, os lumbersexuals,
com barbas fartas e camisas de lenhador –, não entendendo o determinismo
selvagem e a inevitabilidade masculina (não uma moda, não um acessório ou um gadget) de ter pelos na cara.
O
primeiro contacto com as pelosidades faciais pode ser traumático. Um buço
púbere jamais é celebrado com o mesmo entusiasmo que os pelos púbicos. Enquanto
o despertar da vida abaixo do trópico do umbigo é usado como uma medalha ao
peito, o aparecimento de uma penugem mansa sobre o lábio superior costuma ser
objeto de chacota dos pares e de nojinho por parte das raparigas – quem é que quer
beijar um Cantiflas pubescente? Há quem não aguente a pressão e use, antes do
tempo certo, a lâmina do pai, ignorando todos os ensinamentos e maldições que
garantem que um pelo rapado hoje regressa amanhã com a determinação hirsuta dos
lobisomens.
E
há a importância do ritual, as diferentes técnicas passadas de pai para filho,
quem esconhoa e quem desliza a lâmina na direção do pelos; a água quente para
abrir os poros, o pedacinho de papel higiénico para estancar um corte, a água
fria e as chapadas nas bochechas para encerrar o processo. Esta manifestação
diária vai mais além da biologia e da higiene pessoal – faz parte do relicário
do género masculino, como os livros de detetives que usam chapéu, “O Padrinho”
de Coppola, Muahammad Ali no ringue ou a possibilidade de urinar em pé. O
ritual é tão importante que resolvi ser oldschool
e pus a minha jugular à disposição de um barbeiro, que manobrou uma navalha das
antigas – como o meu avô usava – com a precisão de um espadachim e me fez
sentir mais Ricky Blane circa 1942 e
menos anúncio da Gillette.
O processo
diário de fazer a barba oferece-nos ainda um instrumento metafísico: o
enfrentamento com o eu, o nosso reflexo no espelho, as olheiras culpadas da
ressaca, o vinco de preocupação na testa que nenhum botox desenrugará. Um ritual
intímo, no entanto, bastante explorado cinemática e literariamente; uma
liturgia que, apesar de repetida tantas vezes, ainda nos faz perguntar “afinal,
quem és tu?”
Muito
se pode saber sobre um homem se tivermos em conta a sua barba. Três dias sem
uma lâmina pode ser descuido, mas também pode ser modelo de anúncio de
cigarros. Até no “conflito de civilizações” a barba desempenha um papel. No seu
livro “Generation Kill”, Evan Wright conta como os marines que invadiram o Iraque, em 2003, estavam proibidos de
deixar crescer bigodes (muito menos barbas). Quando, anos antes, os taliban chegaram
a Kabul, no Afeganistão, chicoteavam os homens sem barbas e o ministro para a promoção
da virtude e prevenção do vício, Mohammed Wali, alertou que os bigodes dessas
barbas deviam ser aparados para jamais cobrirem os lábios – sob pena de mais
xibatadas.
Não
importa se o homem é hetero ou gay, casado ou solteiro, novo ou velho, a barba
é um elemento fundamental da sua masculinidade. Pode parecer primitivo e
limitado, mas é um facto inexorável. Não importa que use echarpes ou que seja
pugilista, que faça a barba todos os dias ou que pareça um arrumador de carros,
há qualquer coisa de primoridal na relação do homem com a sua barba. Ela é uma sina
e um símbolo, um elemento de metamorfose e de renovação. Muitas vezes, ao longo
da vida, deixei crescer a barba enquanto escrevia um livro ou porque me sentia
em modo de mudança ou porque queria abraçar o meu lado mais jagunço, de Mogli
criado por lobos na selva. E qualquer homem vos dirá que o ato de deixar
crescer a barba, tal como a decisão de, semanas ou meses depois, voltar a ter a
cara limpa, têm um enorme poder de transmutação sobre a psique masculina – por
vezes com profundidade, após o fim de uma relação amorosa ou a morte de um
familiar; por vezes de forma juvenil e inconsequente, como numas férias com
amigos ou como resultado de uma promessa durante um campeonato do mundo de
futebol.
Tudo
isto para fazer um pedido. É que talvez as mulheres ainda não tenham percebido
a importância da exclusividade da lâmina que barbeia a cara de um homem, mas,
por favor, parem de subtrair-nos as Gillettes a fim de amaciar pernas e
virilhas, indiferentes ao facto de que uma lâmina tem para nós a mesma
importância que a faca de mato tinha para John Rambo.
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