segunda-feira, 10 de maio de 2010
Crónicas no jornal i
Os outros
Estás tão aborrecido como a sala de espera de um médico de família e aguardas que o mundo lá fora te resgate. Chove, no entanto, sentas-te na esplanada, protegido pelos chapéus, como quem deseja algo extraordinário. Já devias saber que isso nem sempre acontece. Tens sorte porque um mendigo raçudo discute com o empregado e atira-lhe a caixa dos guardanapos (tinham-te avisado que o serviço de mesa era lento). Parou de chover e está uma francesa gira a olhar para ti. O mendigo regressa. Desta vez, um negro que inclina a cabeça para o lado como os polícias duros nos filmes, trata de o pôr na ordem. Temes que este seja o ponto mais alto do dia até porque a francesa queixa-se do frio e abandona a mesa com aquela que, suspeitas, seja a namorada. Os guarda-chuvas abrem-se de novo e observas aqueles que passam: adolescentes em visita de estudo com a ressaca de tantas horas sem messenger, homens que, em vez de sobremesa, pediram whisky no fim do almoço, bichas tão estilizadas como a capa da “Wall Paper”. Ninguém te salva do tédio. Olhas para o lado e uma mulher parece-te mais velha por causa do colar de pérolas. Lês, por cima do seu ombro, na revista que tem no colo, o que disse a namorada de Pinto da Costa: “Amar como eu te amo só uma vez na vida.” Por esta altura, também já devias saber que os outros nem sempre chegam para nos entreter. O músico de rua canta: “I cry my way to be free”. Estás sem paciência para revolucionários ou gente piegas. Levantas-te. Fazes-te à rua. Talvez um dia aceites que a vida não é como a ficção.
À beira de um ataque de nervos
Nós, os portugueses, andamos tensos como um condutor parado no trânsito. E isso nota-se todos os dias. Um ministro fez corninhos no parlamento, o primeiro-ministro disse, a um deputado, “Manso é a tua tia, pá”, outro deputado surripiou dois gravadores de jornalistas como a rapidez de um carteirista da carreira 28. Até Figo, o herói nacional da coxa larga e da finta curta, foi mencionado em investigações criminais. Mesmo sem saber muito bem o que faz uma agência de rating, sentimo-nos inseguros com o que elas acham de nós. Há desemprego, cortes orçamentais, as férias de verão em Monte Gordo estão em risco. O Benfica não há meio de ser campeão e os portugueses começam a parecer-se com a personagem de Michael Douglas em “Um dia de raiva” – só precisam de um pequeno pretexto para gritar com o marido, dar um chega para lá no cão, perder as estribeiras com a rapariga do telemarketing. Falta um mês para a sessão de terapia colectiva que será o mundial de futebol. Estamos de mau humor. Só nos vale, por agora, a festa do Papa. Felizmente, a comunicação social percebeu as nossas necessidades e alimenta-nos com o helicóptero do Papa, os peregrinos bem dispostos a caminho do Papa, as hóstias do Papa, as tapeçarias que irão enfeitar a varanda do Papa. Uma das artesãs dos tapetes explicou como, ao contrário dos políticos, o Santo Padre motiva a pátria e estimula a produtividade: “Tenho orgulho porque estou a trabalhar para o Papa. Procuro fazer o meu melhor.” Nem Aníbal, nem Manuel, nem Fernando. Bento a presidente.
What the fuck?
Pearl Carter tinha 18 anos quando deu a filha para adopção. Casou-se em segundas núpcias e jamais engravidou. Procurou a filha durante 15 anos. Nunca a encontrou. Phil Bailey que, tal como Pearl, vive no Indiana, nos EUA, perdeu a mãe para um cancro. Começou então a procurar a avó materna. Conseguiu descobrir a sua morada e enviou-lhe uma carta. Depois, uma foto por email. Pearl, a avó surpresa, disse que em vez de encontrar o neto, nessa fotografia, ficou em estado de alerta: “Pensei que era um homem bonito e atraente.” O impulso de Pearl foi validado por uma amiga a quem confessou a atracção. Essa amiga baseou-se num artigo sobre a atracção genética, para explicar a Pearl que familiares que se conhecem já em adultos podem sentir uma incomum apetecência para acabar na cama. Pearl confirmou: “Desde a primeira vez que o vi, sabia que nunca íamos ter uma relação entre avó e neto”. Pela primera vez, em muitos anos, senti-me sexualmente viva”. Encontraram-se, sairam e Phil, agora com 26 anos, manisfestou o mesmo interesse. Estão juntos há quatro anos e contrataram uma barriga de aluguer para ter um filho. Pearl, que tem 74 anos, investiu 54 mil dólares das suas poupanças para pagar a Roxanne Campbell, que carregará um óvulo de uma doadora fecundado por Phil. Pearl disse: “Não me interessa a opinião de ninguém. Estou apaixonada pelo Phil e ele apaixonado por mim. Em breve teremos um filho.” Scott Fitzgerald estava enganado quando disse que não havia segundos actos nas vidas dos americanos.
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