quinta-feira, 13 de maio de 2010

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Papa pop star

Na rotunda do Marquês de Pombal o edifício de um grande banco está coberto com a imagem do Papa. Pelas ruas de Lisboa há cartazes que dizem “Acreditar foi o Pai que me ensinou” ou “Escutar foi o Pai que me ensinou”. Prevê-se que mais de 150 mil pessoas estejam na missa papal no Terreiro do Paço. O Papa, além de líder religioso e chefe de estado, é uma celebridade global, como Cristiano Ronaldo ou Beyoncé. Junta multidões, agita a comunicação social e, tal como acontece com outros famosos, sabemos pequenas coisas sobre os seus gostos – aprecia Fanta de laranja, Prada, música erudita e não gosta de Harry Potter ou Bob Dylan. Se os rappers americanos têm um exército de guarda-costas o Papa tem um exército privado de suíços. Uma biografia do Papa, apresentada pela sic este fim-de-semana, parecia uma versão religiosa do programa “How to live like a rock and roll star”, da VH1. O Papa também é espectáculo. E os que se queixam do dinheiro dos contribuintes gasto neste evento, deviam lembrar-se dos dias de boa disposição durante o Euro 2004, que, tal como a vinda do Papa, pôs os portugueses em modo festivo e esperançoso. Como vivo perto do Terreiro do Paço, terei algumas restrições de mobilidade estes dias, por isso, deixo uma sugestão: que tal rentabilizar o investimento com o Euro 2004 e organizar a missa num dos estádios (quase) abandonados? O Papa, estou seguro, esgotará a bilheteira mais depressa que os Tokio Hotel.


Sobre a felicidade

O trânsito não estava fechado e já milhares de pessoas subiam a Avenida da Liberdade entre carros em andamento, soprando cornetas, levantando bandeiras, sorrindo para desconhecidos como se fossem os familiares que não viam há anos. Niguém ia ser atropelado, os rapazes pendurados na estátua não iam cair, o camião que mugia como um touro na rotunda não ia arrancar uma perna a ninguém. No domingo, pelo menos para os benfiquistas, em Lisboa, Genebra, Cabo Verde ou Newark, nada de mal poderia acontecer, a felicidade era um escudo tão luminoso e eficaz como nos filmes de naves espaciais. No Marquês, havia velhas desdentadas e crianças ainda sem dentes, betos de pullover sobre os ombros e mitras com bonés de basebol. Todos tinham direito a esse estado de felicidade tão raro como inexplicável (imagino que muitas daquelas pessoas não terão sido tão exuberantes ao celebrar o nascimento de um filho). Por mais que tente, não consigo descodificar esta felicidade, e não me vale de nada pensar na psicologia das multidões ou na urgência que temos em ganhar alguma coisa mesmo que seja através do futebol. Limitei-me a sentir a felicidade, que é minha, é dos benfiquistas, que ninguém nos pode tirar. Mas o ministro Teixeira dos Santos foi mais cerebral e percebeu que uma alegria assim torna as pessoas imunes a qualquer infortúnio. O Benfica foi campeão. No dia seguinte, o ministro falou de aumento de impostos. Felizmente, a memória emocional é selectiva. Só um destes factos ficará para a história.

Embasbacanço nacional

O Papa estava em todo o lado: no rosnar dos jactos que sobrevoavam Lisboa ao mesmo tempo que os sinos tocavam e as televisões bolçavam disparates confundido informação com reality show: “Olhem para os olhos dele, são um reflexo do que se passa na alma”, “Está enternecido [com o coro nos Jerónimos]”, “Está embevecido [com o claustro]”. Se o Papa estava fora do alcance das câmaras, entrevistavam-se crianças, senhoras de idade ou punham-se rodapés a dar as últimas notícias: “Fiéis dizem que o Papa parece mais simpático ao vivo do que na televisão”. Quis descobrir se, ao vivo, o embasbacanço nacional com o Papa era semelhante ao que aparecia na televisão. No Terreiro do Paço, a meio da tarde, percebi que a maioria dos presentes eram crianças de escola e reformados. Também vi muitas famílias betas, que se conheciam entre si, cumprindo o protocolo de identificação social quando davam apenas um beijinho. Uma funcionária do peditório tentou pespegar-me um autocolante: “Anda lá, filho.” Uma adolescente olhava para os biquínis de um catálogo da Calzedonia. Lencinhos a um euro, cadeirinhas, merendinhas. O povo é sereno. E lá estavam as milhares de bandeiras oferecidas pelo “Correio da Manhã”, uma prova que a comunicação social sofre mais de papa-histeria que os fiéis. Como sofre o chefe do nosso Estado, que falou da devoção e da fidelidade dos portugueses ao Papa. Se os políticos e os jornalistas, parte importante da massa crítica de uma nação, se comportam como fãs de um participante do Big Brother, pode pedir-se ao povo que seja diferente?

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