segunda-feira, 31 de maio de 2010

Crónicas no jornal i


Gente da Minha Terra

Querida Mariza, não cantes mais para mim, não voltes a tirar-me o chão, a fúria, a lucidez quando me preparo para, depois de ler o Manifesto Anti-Dantas, escrever sobre a necessidade de Portugal continuar a ser, tantos anos mais tarde, qualquer coisa de mais asseado. Por favor, não me apareças a cantar sobre a tristeza que trazes, deixando-me cativo de uma nostalgia que não quero, desmontando-me o coração de gesso como quem esmaga um pequeno brinquedo a pilhas. Peço-te que não repitas essa coisa de seres um punho na garganta, um susto na pele, uma rasteira ao meu mau feitio, quando o que mais quero é ser bruto e falar da geração que se deixa representar pela peste de encolher sempre os ombros, desculpando-se como um mestre de obras incompetente: “Isto é Portugal”. Não me segures na mão nem me tapes a boca nem faças de mim um miúdo em soluços, caído e sem luta, no colo de uma língua, de um país, de uma gente a quem tantas vezes quero apedrejar, cuspir e insultar. Pára de cantar sobre a gente da nossa terra, porque não consigo não acreditar em ti – e fico mais pequeno, menos feroz, outra pessoa. Não nos sequestres a razão desta maneira, porque se cantas assim seremos sempre sentimento e não deixaremos jamais de acreditar que a tristeza é bonita e nos aconchega quando tudo pega fogo e o caminho se faz ainda mais desgovernado. Ou então não me oiças, e continua, por favor continua, porque neste exílio dos degredados e dos indiferentes, neste entulho das desvantagens e dos sobejos, só tu nos fazes querer ser ainda gente desta terra.

Morrer de amor

Os amigos dizem que Simon Monjack não tinha ruindade no coração, que era mais como um miúdo com delírios de grandeza, usando as mentiras como se usa um smoking no baile de finalistas – para parecer mais bonito, para que gostassem dele. Tal como o pai, que morreu quando Simon tinha 15 anos, o filho trabalhou no mercado financeiro londrino. Dizia ser grande mecenas de Damien Hirst, embora tenha comprado uma só peça do artista celebridade. Foi perseguido por bancos e expulso de casas. Era um trapaceiro com aspirações artísticas. Casou com a actriz Britanny Murphy e logo os rumores, nos sites de famosos, questionaram o seu amor – queria a fortuna dela para pagar dívidas, queria um visto de residência nos Estados Unidos. Não se largavam, viajam juntos para todo o lado. Há seis meses, Simon encontrou Britanny morta. Disse que tentou manobras de reanimação e, quando percebeu o inevitável, despediu-se com um beijo – Britanny morreu por causa da anemia, do abuso de medicamentos e de um coração fraco. Nos meses seguintes, Simon tentou limpar o seu nome, oscilando entre a energia dos mitómanos e o choro dos danificados: “O meu mundo foi destruído”. Foi filmado em casa, para um site, dizendo: “Chegámos a um ponto, nesta cultura, em que já não importa a diferença entre factos e ficção. O que interessa é aquilo que consegue despertar o interesse do leitor médio”. Foi encontrado sem pulso no mesmo quarto onde Britanny morreu. O seu coração também falhou. Já ninguém morre apenas de amor. É preciso, pelo menos, um pouco de fama maldita.

1 comentário:

Carlota Pires Dacosta disse...

"Morrer de Amor"
Claro que se morre de amor, por amor...