terça-feira, 16 de novembro de 2010
Passeio com poeta morto, crónica no i
Era de noite quando Fernando Pessoa me tocou no ombro mas não me assustei. Já tinha lido nalgum relatório da OCDE que os poetas portugueses estão entre os mortos que mais aparecem aos vivos, logo a seguir aos portageiros gregos e aos guardas-nocturnos irlandeses. Disse-me que queria companhia para um passeio. Na Baixa, o poeta comentou que as decorações de Natal pareciam papel higiénico amarrotado e assustou-se com um vendedor de haxixe. Quis mostrar-lhe que o modernismo não era apenas um movimento artístico e entrámos na engenharia fluorescente do metro da Baixa, aproveitando a boleia das escadas rolantes para subir ao Chiado. Emergimos quando passava o eléctrico – um postal da cidade, pensei. Talvez me safe como guia turístico de defuntos. Percebi a vaidade e levei-o aos restaurantes dos Armazéns do Chiado. Disse: “Quereres uma pita?” Fernando Pessoa olhava para as adolescentes maquilhadas e de calções tão curtos como uma peça de roupa que encolheu na máquina. Repeti: “Queres uma pita shoarma?” Ele disse-me que aquele lugar era triste como as casas de pasto onde jantava sozinho do poeta ao ver a estátua de si mesmo. Perguntei-lhe se, no além, era amigo de Van Gogh. Ele desviou a conversa, dizendo que morrera sem pagar uma conta na Brasileira e que era melhor arrepiar caminho. Ponderei perguntar-lhe pela Ofelinha mas tínhamos fome. No Rossio perguntei: “Chamo-te um táxi?” Ele: “Obrigado, mas uma das coisas boas de estar morto é o dinheiro que se poupa em transportes. Isto não anda fácil”. E depois bebemos uma ginginha sem dizer uma palavra.
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1 comentário:
Adorei huguinho..lindoooooo
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