terça-feira, 2 de novembro de 2010
Leis da atracção
Várias vezes por semana corres num jardim da cidade, no sentido contrário aos ponteiros do relógio, o que te faz pensar que ficarás com uma perna mais curta que outra. Corres depressa, roçando a imobilidade dos visitantes do jardim. No entanto, és invisível para os velhos que batem a manilha de paus na mesa como quem esbofeteia o adversário. Há bocados de palavras que se colam na tua velocidade – “Oiça, mas estou aqui bem?”, diz a mulher, segurando uma revista de telenovelas, para o homem sedutor no banco de jardim. Mais adiante, os bêbedos despejam pacotes de litro, falam com sílabas ensopadas pelo mosto e incentivam-te como se fosses um ciclista na montanha. Mais do que uma vez ficaste irritado com os solitários que lançam pão aos pombos. Bates palmas para abrir caminho como se disparasses um revólver de fulminantes, mas já percebeste que não te podes zangar com os pássaros ou com aqueles que, quando atiram migalhas, gostariam de receber alguma coisa em troca, mesmo que fosse um abraço de asas. E há o puto gordinho que levanta a mão – “High five” – de cada vez que passas por ele, há as indianas, sentadas lado a lado, tão coloridas nos trajes como sossegadas na voz, há mulheres bonitas na esplanada que (vá lá, reconhece) esperas que olhem para ti. É por causa destas pessoas que melhor percebes a descoberta de Copérnico adaptada aos humanos – nada gira em teu redor, não és o centro de nada, e um dia, quando te apoiares numa bengala para compensar a perna mais curta, também tu podes vir a precisar de um abraço de asas.
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3 comentários:
Primeira vez que aqui venho e deparo-me com este belo texto.
A Re-visitar, certamente.
Será? Também podem estar lá todos apenas para nos servirem de cenário.
Sempre que quero comentar os seus textos acontece-me isto: fico sem palavras para lhe dar. Fico com as suas e com as imagens que revelam.
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