sábado, 13 de fevereiro de 2010
Crónica de fim de semana no jornal i
Conta-me histórias
Maria João Avillez, jornalista, disse: “Vivi situações com o país à beira do abismo, é a primeira vez que vivo à beira da vergonha” Também disse: “Não saberia explicar aos meus netos o que se está a passar”. Percebo a sua frustração em descodificar o país para os mais novos. Mas Robert Mckee, professor de guionismo, diz que, quando nos falha a política, a economia e a até a terapia, só nos resta a ficção. Faz-nos falta uma narrativa que dê sentido a tudo isto. Pensei recorrer à tragédia grega, que trata de poderes superiores que manipulam os indivíduos comuns e que, apesar das perdas dos protagonistas, oferece uma certa limpeza emocional e espiritual. Mas as crianças de hoje têm problemas em manter a atenção, por isso, recupero o desafio em tempos lançado a Hemingway: uma história com apenas seis palavras. Ponderei Sá de Miranda para explicar o que se passa: “O que farei quando tudo arde?”. Ou talvez adaptasse o início da Metamorfose, de Kafka: "Portugal acordou como um monstruoso insecto.” Inspiro-me antes na série The Wire, que fala de escutas, de jogos de poder (e dos danos que causam) numa cidade americana: numa cena simbólica, uma personagem ensina dois adolescentes a jogar xadrez, explicando-lhes que os peões são sempre os primeiros a sair do jogo (de poder). Depois diz – e aqui está a nossa história para miúdos em seis palavras: “O Rei será sempre o Rei”. Fica-nos a faltar a limpeza emocional que a tragédia oferece, é verdade, mas a higiene espiritual só chega no fim da história. E esta história ainda não acabou.
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