segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Crónica de segunda-feira no jornal i


Babilónia Suburbana

Os polegares de Pedro Matias conheceram a fama porque bateram um recorde do Guiness: teclaram um sms de 264 caracteres em um minuto e 59 segundos. Matias foi celebrado pela televisão com a mesma euforia pacóvia com que perguntam a Tom Cruise – a promover um filme – se visita Portugal e se gosta de bacalhau assado. Lembrei-me de Matias durante uma investida pelo centro comercial Babilónia, na Amadora – concelho destruído pela construção selvagem e criminosa de prédios com marquises, e que apresenta a maior densidade populacional do país: 7241 habitantes/km². Mal entrei no Babilónia, pareceu-me ouvir: “Os anos 80 ligaram e querem o seu centro comercial de volta”. Mas algo mudou desde a inauguração, em 85: o centro tem agora 30 lojas de telemóveis (a sério). E Matias faz parte do grupo de jovens (15-34 anos) em que a taxa de penetração do serviço móvel é de 99 por cento. Os sms substituíram o Spectrum 48k e o Bate Pé. Não é grave. Sou tecnologicamente liberal. Mas nessa mesma tarde, escutei o socialista Candal, no debate do Orçamento de Estado, falar exageradamente de um país tecnológico. Candal enganou-se. Nem sempre a tecnologia é progresso: muito do furor lusitâno com recordes de sms, telemóveis, plasmas ou carros topo de gama, é uma prova de que somos o estranho caso do país pobre com pulsões de novo rico. Os recordes das árvores de Natal gigantes e dos centros comerciais monstruosos não significam sempre progresso – são apenas um penso rápido para um ego doente que precisa, afinal, de um transplante de coração.


Nota: estas crónicas só estarão online até ao final da semana, depois serão exclusivas no jornal i)

3 comentários:

Algoritmo Perfeito disse...

Estas crónicas são (serão), parte da terapêutica necessária ao país. Muito obrigada Hugo.

João Ventura disse...

Grande texto.
Um bom diagnóstico. Agora a receita para a doença é que é mais difícil...

Saudações

André Pereira disse...

Parabéns Hugo!

"...são apenas um penso rápido para um ego doente que precisa, afinal, de um transplante de coração."

Gostei.

Um abraço