quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Crónica de hoje, no jornal i
Ídolos
Paul Schrader tinha dívidas, era viciado em pornografia e vivia no carro. Hospitalizado por causa de uma úlcera, teve uma ideia: “Percebi que não falava com ninguém há semanas. Flutuava sozinho pela cidade.” Essa ideia originou o filme “Taxi Driver”, com Robert De Niro, cujo argumento, de Schrader, foi nomeado para um Globo de Ouro. Todos os grandes prémios de cinema – Oscars, Cannes, Berlim – celebram os argumentistas, mesmo os que gostam de pornografia. Recentemente, a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) e a RTP inovaram na entrega dos seus prémios televisionados. Perguntei a José Jorge Letria, da SPA, por que razão uma sociedade de autores tinha premiado actores tendo-se esquecido dos argumentistas. Letria disse: “O rosto visível da obra, mais que os autores, são os intérpretes, a ideia de premiar o actor corresponde a um desejo da RTP de ver os intérpretes ter o seu espaço”. Ou seja, para uma televisão pública e uma sociedade de autores, as caras conhecidas valem mais (nas audiências e nas revistas) que as boas histórias e os degenerados que as escrevem. Pergunto: sem as palavras de Schrader teria De Niro sido capaz de ser o protagonista de “Taxi Driver”? Eu, que até ganho a vida a escrever, confesso que preferia ir a uma gala com Scarlett Johansson e deixar Schrader no carro – acontece que eu não sou uma associação que se propõe representar os autores. Uma sugestão para os guionistas: casem com uma actriz, como fez Schrader, e serão convidados para entregas de prémios. Ser autor para quê? O que interessa é aparecer na televisão.
Nota: estas crónicas só estarão online até ao final da semana, depois serão exclusivas em papel no jornal i
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4 comentários:
Bem visto!
Cada vez mais, os autores são esquecidos...
e tens sorte se os actores forem mesmo actores e nao a ultima fornada de pseudo interpretes saidos dos morangos com acucar. sigh...
Olá, obrigado pelo apoio. Se não for abuso, peço-lhe que divulgue o abaixo-assinado de protesto contra este absurdo, que a APAD pôs a correr. Pode ser assinado em Protesto SPA
Abraço,
João Nunes
Óptimo, óptimo artigo. Nuno Costa Santos
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