domingo, 6 de junho de 2010

crónicas no i

Romance (versão actualizada)

Não precisas de olhar para o telefone de disco, ensaiando o discurso, antes de ligar para o número escrito num guardanapo de discoteca, como acontecia nos tempos em que desapertar um soutien era uma glória pouco frequente. Hoje, basta que, a meio da conversa com uma miúda que acabaste de conhecer, lhe perguntes se tem Facebook. Depois diz que vais buscar uma bebida. Volta mais tarde, quando já consultaste, no teu telemóvel, o perfil dela (deu para veres uma foto, na praia, ao fim do dia, bonito sem ser piroso, gostas da boca e do cabelo dela). Quando chegares a casa, se estiveres em condições de teclar, manda um sms, nada de emocional, reconhece que gostaste da noite. Não uses o Facebook, isso indicaria que te deste ao trabalho de ligar o computador. Durante a semana, troca mensagens no Facebook, se as mensagens acelerarem, entra no chat e fala com ela. Se as mensagens forem planas, curtas e sem espaço de manobra, esquece e aproveita os privilégios do presente: a tecnologia economiza tempo. Se as coisas correm bem, usa ferramentas de sedução, como postar o vídeo de uma banda que ela te mostrou ou apenas fazer um “Like” em algo que ela tenha escrito no mural: “O teu coração dá-me tesão”. Um dia vais acordar no quarto dela. Diz: “Deixa-te estar”, dá-lhe um beijo, diz: “Vou para casa.” Não mandes sms. Toma o pequeno-almoço e mete-te na cama com o laptop. Uma miúda que não conheces fez um “Like” na frase que roubaste a um escritor: “Your ♥ is my piñata”. Manda-lhe uma mensagem. Mais uma ficha, mais uma voltinha.

Sopra aí na corneta

Durante os festejos do Benfica no Marquês de Pombal, uma amiga brasileira, estreante entre as multidões portuguesas, comentou que no Brasil haveria logo gente com música para alegrar a celebração. Mas na rotunda ouviam-se gritos, carros a apitar melodias monótonas e um camião cujo motorista parecia ter adormecido em cima da buzina. Podemos ser um povo feliz, como quando o Benfica ganha, mas não somos musicais, o que só torna o sucesso da vuvuzela mais ameaçador. Uma vuvuzela, por si só, quieta num canto, já tem um enorme potencial destrutivo. Se operada por uma nação de trauliteiros sonoros, então, teme-se o pior. Essa corneta, que se espalhou pelos estádios sul africanos com a rapidez do herpes numa orgia romana, começou por ser um instrumento feito de lata, até que alguém percebeu o fascínio dos humanos por brinquedos de plástico que fazem barulho, e transformou a vuvuzela num produto de fabrico fácil. É facto aceite que um brinquedo da moda – Botabotilde, Hula Hoop – pode ser mais pegajoso que uma música de verão. Mas a Galp foi longe de mais ao pedir que toquemos a vuvuzela, em uníssono, um minuto antes dos jogos da selecção, para criar uma onda positiva. Eu aceito que queiram vender combustíveis oferecendo-me brindes de plástico produzidos na China. Mas meter um país inteiro a soprar na corneta e fazer disso um símbolo de união nacional, quando querem vender gasóleo, quebra o contrato (unilateral) que tenho com a publicidade e o Santuário de Fátima: aceito que me tentem enganar, só não me peçam que acredite no engano.

1 comentário:

Glo disse...

Olá. Confesso que a rapidez com que entrei no blog achava que ia ser idêntica à utilizada para sair. Mas não. Muito pelo contrário. Admito ainda que apesar de ler imenso (e acho sempre pouco-percebi de novo isso agora)não conhecia estas crónicas e ainda não conheço os livros. Vou estar mais atenta, adorei.