terça-feira, 23 de agosto de 2011

O meu romance com um romance


A dormência deste blog não se deve a férias de praia ou descanso do pessoal. Meti-me a escrever furiosamente o próximo romance e não há tempo ou força para muito mais coisas escritas. Mas regressarei em breve, após mudar-me para o Rio de Janeiro. Tenho a certeza que, assim que aterrar, terei muito sobre o que escrever aqui. Para compensar a minha preguiça blogueira, fica um excerto do romance, exclusivo, inédito e on the making.

Até já

Relicário contra comunistas

O verão que antecedeu a minha estreia na escola primária foi o mais quente da história. Digo isto com a mesma certeza com que o meu irmão garantiu, logo no mês de Julho, que nunca mais haveria aulas porque os soviéticos e os americanos estavam prestes a disparar mísseis nucleares. Então, o mundo seria igual aos filmes sobre a Terceira Guerra Mundial. Os sobreviventes deixariam de ter televisão, habitariam grutas subterrâneas e continuaria a haver gente má e alguns canibais, ditadores e banqueiros. Para agravar o pânico de ficar para sempre sem desenhos animados, o meu irmão explicou-me que o calor anormal, que matava pássaros na varanda e deixava a minha mãe tão aflita como um afogado, era prova da aproximação do apocalipse nuclear – a água das piscinas públicas desaparecera, o sol queimava como um ferro de engomar na pele, os cigarros dos adultos acendiam-se sem precisar de fósforos.
Nesse verão, passei muitas tardes na casa de uma vizinha do prédio – a Dona Helena, mãe do Ricardo, colega de turma do meu irmão, e da Susana, que, tendo nascido quatro anos antes de mim, ainda não usava a parte de cima do biquíni na praia. O Ricardo e o meu irmão saíam pelo bairro de bicicleta, faziam parte de uma tribo sénior e masculina que não me aceitava como membro – Susana também fora excluída, tinha os cromossomas errados e jamais conseguiria fazer um cavalinho em cima da bicicleta cor-de-rosa. No final do dia, o meu irmão contava-me como a cidade se preparava para o desastre da aniquilação quase total e aconselhava-me a encontrar um abrigo nuclear. Dizia-me: Já descobri um sítio com o Ricardo, mas não cabe lá mais ninguém."