sábado, 24 de outubro de 2009

Boys will be boys


Em tempo de pouca produção no blog - outras tarefas ocupam-me o tempo e chicoteiam a minha preguiça - deixo aqui um texto que escrevi para o jornal i, sobre o meu amigo João Tordo, publicado na edição de hoje.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

And ain't that mother fucking sweet.


Este senhor é tão amigo que, depois de me avisar da extraodinária notícia - receber o Prémio Saramago - me diz com delicadeza: "Desculpa estar a dizer-te isto quando estás a sentir-te mal", como se a felicidade pudesse acentuar as patologias dolorosas. Sabes que não, Tordo. Essa felicidade é muito melhor que os comprimidos e os chás que ando a meter no corpo.

Levantei-me de madrugada e lá estava eu, a viajar para Penafiel, a entrar no Museu, a aplaudir o João, um premiado tão humilde, ao lado de Saramago, como os bons da fita que salvam a aldeia e partem a meio da noite sem dizer para onde vão.

Regressei horas mais tarde, com a perna ainda nervosa do João a estremecer no banco de trás, o telefone a apitar mensagens, o seu cansaço cedendo devagar ao embalo da velocidade relatadora da rádio que contava a goleada do Benfica. E depois seguiu-se a orquestração copofónica da noite. E depois ele vai escrever cada vez melhor. E depois estou muito feliz.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Brief Enlighment


Thank you M. it's like you saved my life

Quando a saúde nos escapa como um carro na curva não sinalizada, quando a dor física nos faz acreditar na possibilidade de um deus, ainda que para alívio imediato, quando a agonia do corpo nos garante que jamais resistiríamos a uma sessão de tortura, quando uma mão na cabeça é a solução definitiva para o medo, só então desaparece o ultraje com coisas tão idiotas e pequenas como a histeria ronaldiana, o presidente da República ou as pessoas que não tomam duche de manhã. Tudo fica mais essencial, mais limpo, mais no osso. Só o amor subsiste. A dor é um estranho exercício de perspectiva. O problema é que rapidamente nos esquecemos, submergindo de novo na gordura dos dias. Ao menos, que as cicatrizes no avesso da carne patética - e as tuas mãos na minha cabeça - me sirvam de recordação.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Sobre a parvoíce


Na Praça do Rossio, rapazes e raparigas gritavam ordens, amortalhados em capas negras, bêbedos de poder académico e ébrios de ginjinha – esta segunda condição não reprovo, até porque se me vestisse com um traje da tuna, julgasse que estar inscrito no terceiro ano de engenharia mecânica me conferia o título de veterano e ainda tivesse de passar por épocas de exames, então, também me enfrascaria a meio da tarde.

Os mocinhos e mocinhas de flanela preta berravam, “Tudo a encher”, para caloiros com cara de candidatos ao Ídolos, tão jovens ao ponto de ter borbulhas, tossir com o primeiro cigarro e aceitar que lhes ponham um penico na cabeça.

Foi então que, para agravar a parvoíce, passou um trintão de camisa desnecessariamente desabotoada e cabelo lambido. As suas palavras, embrulhadas num hálito de prato do dia, jarrinho de tinto e abuso verbal de menores, informaram o seu amigo do seguinte: “Vou ali apalpar umas universitárias.”

Olhei para os estudantes e pensei: “Se é para ser parvo ou menos que tenham uma licenciatura, sempre é uma ferramenta de trabalho, já dizia o meu paizinho”.

Chicotada psicológica


Os casamentos católicos baixaram 62 por cento em Lisboa nos últimos dez anos. Está a ver, senhor cardeal, deixe lá casar os gays e lésbicas e para o ano apresenta melhores resultados ao chefe do Vaticano

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Back to school


Workshop de Escrita de Romance: da primeira à última página

De que falamos quando falamos de “romance”? Será que o primeiro parágrafo tem assim tanta importância? A estas e a muitas outras questões relacionadas com a escrita de um romance vão responder Hugo Gonçalves e João Tordo neste workshop.
Hugo Gonçalves é o autor dos romances O Coração dos Homens (2006) e O Maior Espectáculo do Mundo (2004), tendo escrito e apresentado recentemente, na SIC Radical, uma série de nove documentários intitulada "Portugal Meu Amor". De João Tordo foram publicados, entre 2004 e 2008, os romances O Livro dos Homens Sem Luz, As Três Vidas e Hotel Memória. Tem, também, trabalhos desenvolvidos nas áreas da escrita de argumento, jornalismo e tradução.
Sessões às segundas e quartas, das 19h30 às 22h00. Candidaturas abertas a partir do dia 12 de Outubro. Mais informações através do e-mail formacao@producoesficticias.pt ou pelo número 213 864 554.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

domingo, 4 de outubro de 2009

Semana de reflexão


Tinha programado um texto, logo no dia após as eleições, de forma a compilar os momentos mais cómicos e burlescos da noite eleitoral, mas também para organizar mentalmente o meu desagrado com a abstenção e com esse maravilhoso milagre que foi a vitória de todos os partidos.

Por um lado, por exemplo, achava infantil e ridículo ver os apoiantes, nas sedes de candidatura, iniciarem os gritos de campanha, como uma claque de futebol, assim que percebiam que estavam em directo – o fenómeno Emplastro não é exclusivo das pessoas que vão aos estádios de futebol. Basta ligar uma câmara em qualquer lado – numa sede partidária ou na praia Maria Luísa, onde morreram cinco pessoas numa derrocada – e os transeuntes tornam-se em amantes da objectiva, posam como estrelas, transformam-se em candidatos ao Ídolos.

Por outro lado, não reconhecia nos políticos uma postura séria e com tomates, mas sim demagógica e eleitoralista, fácil, de quem está mais preocupado com o que as pessoas pensam do que com aquilo que realmente está a acontecer em Portugal – lembro-me de Maria José Nogueira Pinto a dizer que o PSD não tinha perdido as eleições ou de Jaime Gama a fazer uma absurda comparação, explicando que, comparados com os resultados do partido vencedor na Alemanha, que também foi a votos nesse domingo, os resultados do PS eram muito bons – também podia ter dito que Portugal tem mais horas de sol que a Alemanha ou que, no ano 2000, lhes demos três a zero num jogo do Europeu.

Dois dias depois, falou o Presidente da República e o meu descontentamento passou para as 8 mil rotações. Temos cidadãos que se abstêm, políticos que se comportam como adolescentes à procura de aprovação e Presidentes da República tão desastrosos como um T-Rex numa salinha alcatifada com bibelôs. Nunca, como agora, o aforismo batido, “Temos os políticos que merecemos”, me pareceu replicar tão bem, com a precisão de um calquito, o que se passa em Portugal.

No dia seguinte, ao partilhar tudo isto com um amigo, ele sublinhou o meu “azedume” (sic), dizendo que eu dizia mal de tudo e que tinha de encontrar aquilo que está bem e valorizá-lo. Talvez o meu papel, em busca de algo melhor, seja apenas satirizar o que está mal, afinal, a sátira, a opinião, a desconstrução das coisas adquiridas podem ser excelentes exercícios de terapia para todos nós. Eu quero acreditar que todos os dias, em artigos, no blog, nos livros que escrevi, na forma como trato as pessoas em meu redor, no simples desenrolar das minhas actividades diárias, quero acreditar, dizia, que em tudo isso há um esforço para melhorar a condição humana – não fui ainda voluntário em África nem candidato ao parlamento europeu, mas talvez este seja o meu contributo: ajudar as velhinhas que não conseguem transportar os sacos do Pingo Doce, do Rossio para a Calçada de Santana, fazer metáforas online e entregar um boletim de voto em branco. A verdade é que se me pedissem para fazer um transplante de fígado ou descobrir a cura para o cancro eu não estaria à altura.

Mas, considerando o conselho do meu amigo, faço agora um esforço. Como posso eu ser mais positivo, menos exaltado com as insuficiências do meu país e das pessoas que o habitam, menos furioso com a (quase certa) eleição de Isaltino Morais? Foi então que, por acaso, descobri um historiador presidencial, norte-americano, chamado Richard Norton Smith.

Com Smith, fiquei a saber, por exemplo, que no parlamento inglês não se pode usar a palava “Mentira”, o que levou Winston Churchill a dizer ao seu opositor: “You are guilty of a terminal logical inexactitude.”

Curiosidades à parte, Smith diz que, há 40 anos, na política norte-americana, o público e os políticos definiam sucesso assim: criar boas leis, encontrar pontos em comum com os adversários, dialogar e tentar reduzir as diferenças em vez de explorá-las eleitoralmente.

Hoje, diz Smith, o clima político de Washington recompensa e define o sucesso exactamente pelas razões contrárias. O historiador explica ainda que Obama tem de recuperar a crença das pessoas na actividade política – danificada, ao logo dos anos, pelo assassinato de J.F.K, pelo caso Watergate, pelo caso Irangate e pelas duas administrações W. Bush.

Há 40 anos Portugal ainda era uma ditadura pacóvia, o que nos impede de ter grandes referências. Mas, com 35 anos de democracia, já deveríamos ter maturidade para definir o que é sucesso na política: prédios a pontapé ou educação que crie uma alargada massa crítica? Presidentes da câmara corruptos ou um eficiente e célere sistema de justiça?

A verdade é que seria difícil, tanto para os votantes como para os abstencionistas, pensar que a política poderá produzir algo de heróico ou de decisivo e fundamental para o avanço da condição civilizacional dos portugueses – talvez porque não reconhecemos em nós próprios essa capacidade.

Mais do que um possível herói, que um homem com espírito de missão e integridade, o político é visto com a mesma desconfiança com que olhamos para os trolhas que nos remodelam a cozinha (“Em menos de uma semana isto está pronto, chefe”); o político é visto com a mesma bonomia com que encaramos os comentadores desportivos e com a mesma complacência com que nos encontramos no espelho, todas as manhãs: se eu falho tantas vezes, ele também pode falhar, que se lixe – este raciocínio, juntamente com electrodomésticos e obra feita, permite que os Isaltinos e os Valentins continuem a ganhar eleições.

Por tudo isto, e tendo em conta a advertência do meu amigo (“larga o azedume”), quero acreditar que, se nós pusermos em prática, todos os dias, na nossa vida de cidadãos sem cargos políticos, os conselhos do senhor Smith – encontrar pontos em comum com os adversários, dialogar, tentar reduzir as diferenças em vez de explorá-las – e lhe juntarmos determinação, seriedade, brio e sentido de comunidade, talvez, daqui a alguns anos, nem que seja por vergonha, os políticos já não serão capazes de olhar para nós e apregoar disparates eleitoralistas; talvez seja vergonhoso para as suas carreiras que não consigam chegar a consensos que favoreçam o país mesmo que não garantam milhões de votos; talvez o serviço público, mesmo sem glória nas urnas, seja mais importante – e defina o que é sucesso – do que milhares de bandeiras em comícios e a presidência de um partido ou um cargo de director geral.

Se nós, os que não se candidatam a nada, conseguirmos, eles também conseguem, certo?