quinta-feira, 30 de outubro de 2008
O dinheiro ou a vida
Desde que regressei a Portugal que não páro de ouvir frases escandalizadas contra a falta de segurança. Fui testemunha, recentemente, num comboio, de um roubo - um tipo de 30 e tal anos puxou o telefone a uma adolescente, no segundo antes das portas se fecharem, e saiu a correr. As portas fecharam-se. Levantei-me, andei até ao fim da carruagem, e fui falar com a miúda em estado de choque. Chorava porque era o seu 18º aniversário e, sem telemóvel, não ia poder combinar com os amigos. Tentei acalmá-la e ofereci-lhe o meu telemóvel para ligar aos pais ou a quem precisasse. Juntou-se um grupo de três senhoras à nossa volta. Talvez esteja errado, mas preocupou-me mais a infelicidade da adolescente do que a fuga do ladrão. Tudo na adolescência tem o dramatismo do final dos tempos, e a ruína de uma festa de aniversário, ainda para mais o 18º, destruiu, por momentos, aquela miúda loira chamada Mercedes. Uma das senhoras insistia em pedir a Mercedes que relatasse o roubo e dizia pelo canto da boca: "Isto está bonito está". Depois, baixando o tom de voz, como se procurasse a minha cumplicidade, ou como quem diz 'bom dia' à vizinha do terceiro, que afinal é uma porca que se anda a meter debaixo do homem do gás, a velha decidiu perguntar-me: "Ele era branco ou preto?" Sem resposta, insistiu: "Era brasileiro?"
Nessa noite, disse a Mercedes que se fosse embebedar com os amigos e que comprasse um telemóvel novo quando lhe desse jeito.
Hoje vejo no jornal: 'Mãe recusou dar dinheiro para droga e levou um tiro'. E pensei que, no meu tempo, os drogados roubavam as jóias da família ou o dinheiro da carteira da avó. Jamais disparavam sobre as mãezinhas. Hoje, a senhora do comboio deve estar a sorrir de contentamento: "Se não é brasileiro nem preto, então é drogado". Os portugueses aborrecidos com a vida, como a senhora do comboio, não se deviam queixar da criminalidade. Os crimes animam os dias sem nada, são como pão para a boca de quem pensa que o bem e o mal se decidem nas notícias da noite e na pauta moral das telenovelas. Afinal, o que interessa mesmo é um pouco de espectáculo.
Que a vida te seja muito mais leve que isto, Mercedes.
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2 comentários:
Oh Hugo, ainda dizem que em Portugal não se passa nada que possa ser inspirador para um jovem escritor...
Com esse nome, talvez a pequena tenha de se preocupar também com o Carjacking...
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