terça-feira, 28 de outubro de 2008
Teatro do absurdo
Este lado do vale ficou mais frio com o vento, um vento de recolher obrigatório, de susto - árvores prestes a rachar os braços, a matar alguém; um longo assobio que entra pela chaminé; folhas, jornais e pássaros que se despistam nos vidros da casa, loucos e suicidas, sonoros como um pé de cabra numa fechadura. Sozinho nesta casa de grandes janelas, não ouço sequer a rouquidão de uma motorizada ao longe, as palmas aflitas de uma empregada de uniforme a chamar os miúdos para dentro, o fôlego das velhas prestes a cair nos passeios, segurando sacos de compras que lhes dão caneladas. Hoje, com este tempo de luz e vento, tudo parece mais prestes a terminar. Estamos no limite de um desastre ou de um homicídio.
Depois, entrei numa charcutaria e ouvi um casal, com sotaque fortemente açoriano, dizer para a empregada: 'Pode guardar-me esse pedaço de torresmo para amanhã? É que é tão molinho". A empregada disse que sim, e a cliente açoriana, de colete de peles, fez sorrir todo o resplendor do seu baton vermelho, antecipando o molinho que são os torremos na sua dentadura postiça e tão impecável como um piano Steinway.
Se o meu dia tivesse um título: Hitchcock e a matança do porco.
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