sábado, 25 de outubro de 2008
Peixe Frito com Arroz de Tomate
Quando Cavaco Silva ganhou a sua primeira maioria absoluta, lembro-me de estar numa varanda, no Algarve, e os adultos caminhavam entre a sala e a cozinha, sempre atentos aos resultados da eleições - a minha família não era nada politizada, mas acreditava naquele homem, que para eles era um professor disciplinado que tinha a postura de quem desprezava a política partidária, e que representava uma novidade segura depois dos primeiros anos confusos de democracia. (Em Portugal a política é tão mal vista, que alguns políticos afirmam não ter interesse na política, a fim de parecerem mais credíveis, chegando a mostrar certa repugnância, como a senhora que afasta o prato caracóis com as costas da mão). Do meu passado político, lembro-me ainda da avó de um amigo que votou sempre em Cavaco, justificando assim a sua motivação: "É elegante e magro".
Na varanda, nessa noite de vitória do PSD, vi como depois de anunciados os resultados os carros passavam na estrada, formando um trânsito de celebração, buzinas, bandeiras, altifalantes, tampas de panelas a servirem de música, a certeza, nos gritos daquelas pessoas, de que estavam a participar em algo especial. Essa noite, sem idade para pensar pela própria cabeça, vivi o meu derradeiro entusiasmo com a política portuguesa. A festa lá fora era um excelente pretexto para ficar acordado até tarde, espiando as pessoas da varanda, deitado num pequeno colchão: 'Avó, hoje posso dormir aqui fora por causa do calor?'
Esta semana, houve eleições no Açores, e o orçamento de Estado, e Santana escolhido para candidato à câmara de Lisboa. Nada, não senti nenhuma comichão, nem sorri, nem me pus feroz num debate à mesa de jantar. Não quis dormir na varanda por causa do calor. Não consigo excitar-me com os políticos nacionais. Mas recuso-me a pensar que se trata de uma questão de idade, afinal, também já não tenho a rádio no quarto ligada, nem salto em cima da cama com um edredon de robots, sempre que o Benfica marca um golo. Mas não, não pode ser da idade. Em Madrid acompanhei de muito perto (enquanto jornalista e habitante da cidade) as eleições autárquicas da capital espanhola. Quando John Kerry perdeu, há quatro anos, fiz uma madrugada eleitoral na sala dos meus pais. Nunca discuti tanto política como nas semanas que antecederam a segunda eleição de Zapatero. Sei mais dos candidatos Obama e MaCain, do que conheço de José Sócrates ou de Ferreira Leite. Politicamente, sou um traidor ao país, um consecutivo votante em branco, um não frequentador das palestras televisivas do omnipresente e omnisciente Marcelo Rebelo de Sousa - só talvez Hugo Chávez para ultrapassar o professor em número de horas na televisão pública. Marcelo fala e, porque é professor, tal como Cavaco, os portugueses repetem o que disse no dia seguinte, ao lado da máquina de café. Tanto respeitinho. Tanto senhor doutor. Tanto gosto pela autoridade.
Para mim, a política nacional parece uma versão mais grisalha e engravatada da política das associações académicas - incompetente, provinciana, oportunista, vaidosa, desinteressante, de palmadinha nas costas, impune. Bem, ao menos não há tunas nem tipos aos saltos a tocar pandeireta.
Nesta semana de orçamento de Estado, ainda mais importante em tempos de crise, senti que não se tinha passado nada. Mesmo uma ausência e um silêncio - de Barak Obama, que suspendeu a campanha para ir visitar a avó doente -, causaram em mim mais interesse que o futuro económico de acordo com as contas do governo. Começo a achar que não sou o único português adormecido pela política nacional. Não nos interessamos. E se querem números lembrem-se da participação no último referendo do aborto. É uma amostra pessoal, mas posso dizer que, mesmo aqui ao lado (e nem falemos do norte da Europa), os espanhóis são muito mais politizados que nós; em Portugal, raramente oiço uma mulher envolver-se numa discussão política entre amigos; em Espanha as mulheres são tão aguerridas, e informadas, na defesa das suas opiniões políticas como os homens - algumas delas, se bem me lembro, muito mais que os homens. E mesmo que digam que a escolha de Zapatero, em ter mais mulheres no governo do que homens, seja uma manobra de propaganda, acredito que significará algo mais que eleitoralismo de pacotilha.
A nossa falta de exigência traduz-se, por exemplo, nisto: pessoas que relativizam o comportamento ordinário de Alberto João Jardim, ou as suas tiradas autoritárias, dizendo: 'Mas a Madeira está muito desenvolvida. Há obra feita'. Muitos de nós parecemos satisfeitos com um político mal formado, que nos tira liberdades, que não aceita que haja gente com ideias diferentes das suas, porque esse político tem 'obra feita'. Talvez eu seja muito exigente, e sei que a procura da excelência é perigosa, mas será pedir de mais um político bem educado, com bom coração, que não trate os outros como se fossem atrasados mentais (caro senhor Valentim Loureiro); e que faça o seu trabalho sem precisar de ser uma besta, ou adepto do nepotismo, ou que use os trabalhadores da câmara para fazer as obras em casa? Será pedir de mais uma boa pessoa e um político competente aliados num mesmo indivíduo?
Gandi nunca mandou construir auto-estradas, nem avenidas principais com lombas, nem teleféricos. Era bonzinho, uma jóia de pessoa, dizem, incapaz de fazer uma rotunda desnecessária, de construir na primeira linha da praia e, ainda assim, há quem acredite que, mesmo sem 'obra feita', era um bom político.
Em tempos disseram-me, sobre nós, os portugueses, que havia que corrigir o aforismo moderno, 'Temos os políticos que merecemos', por este ,'Merecíamos político piores'. Portugal, tantos anos mirrado por uma ditadura que tomava conta do seu povo que queria 'estúpido', não é, ainda hoje, um campeão no sentido de comunidade, de vizinhança, de dever público. Por cada seis pessoas que pagam impostos há uma que foge. Portugal: o caso de um país pobre mas com tiques, tantos tiques, de novo rico. Portugal: país da celebração da 'obra feita', que em breve terá o maior centro comercial da Europa. (Pensei que, se queremos subir nas estatísticas da educação entre os países da União Europeia, talvez devêssemos construir a maior escola da Europa, porque pela qualidade não chegamos lá acima.
Pergunto: nós não nos interessamos porque os políticos são maus, ou os políticos são maus porque nós não nos interessamos o suficiente? Portugal: uma pescadinha de rabo na boca.
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2 comentários:
Portugal: de rabo entre as pernas porque não tem o que levar à boca!
O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo!
Escreveu o Eça nos anos 70... do séc. XIX...
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