quinta-feira, 9 de outubro de 2008
No country for old men
Porque neste início de tarde o verão ainda subsiste, e a minha perna aquece com a luz que chega da porta aberta, e há um mosca pilotando na atmosfera da sala - o som das suas asas por vezes razando a mobília, sobrevoando a minha cabeça, perdendo-se de imediato no corredor -, decidi que o dia seria passado em modo Western. E por isso mesmo, iniciei duas actividades obsoletas, andar pela rua e pôr uma carta nos Correios.
Não havia muita gente lá fora, apenas o mar ao fundo e, se passava na porta de um restaurante, a ansiedade dos talheres no prato do dia, as anedotas com bagaceira, o jingle que anuncia o noticiário da tarde. Pus-me observar (afinal, íamos na mesma direcção)um rapaz pós-adolescente com mandíbula de adulto. Tinha o corpo tonificado como quem acaba de sair do ginásio - o saco de desporto na mão direita, e a pulsão de olhar para cada montra ou janela de carro, um tique confiante, indiferente a possíveis detractores da vaidade.
O rapaz com queixo de homem, empurrava pela rua abaixo essa bazófia de quem reconhece que não pode ser derrotado, como quando se entra num campo de futebol para jogar sabendo que somos melhores que os outros (todos, incluindo os jogadores da própria equipa), ou quando foi a miúda que nos pediu o telefone, ou quando, após uma discussão familiar, sabíamos, com toda a certeza, que num mano-a-mano com o pai, ele ia ao chão.
O rapaz viu, como eu, as quatro mulheres de pele clara e cabelos ruivos, loiros, em chamas, que abriam as portas de um carro, e apareciam na rua, suficientemente agitadas (aquela garrafa de vinho ao almoço) para activar a biologia de alerta dos homens presentes. Eu e o rapaz: os únicos na rua além das miúdas, que pareciam dispostas a tirar a tarde para a matar cocktails e enrolar charros na piscina da casa de uma amiga.
O rapaz encheu ainda mais o músculos, o bícepe contraíu, o pescoço rodou, e nesse momento ele era indestrutível, impune, capaz correr mais que qualquer colega da turma, capaz de curvas com travão de mão, saltos de penhascos para a água, capaz de cometer um crime e, ainda assim, ter-nos como testemunhas abonatórias numa sala de tribunal.
Tolstoi disse: 'Li em algum lado que as crianças entre os doze e os catorze anos – ou seja, na transição da infância para a adolescência – estão particularmente inclinadas para pôr fogos e até matar. Olhando para os meus anos de rapaz, posso, com certeza, apreciar a possibilidade de ser cometido um crime assustador, sem objecto ou intenção de magoar, mas apenas porque sim – por curiosidade, ou para satisfazer uma inconsciente ansiedade por acção'.
O semáforo fechou, o rapaz atravessou a passadeira, e um carro queimou borracha - a ameaça de um atropelo. O rapaz ficou a olhar para a condutora, ainda inquebrável, desafiante. Mas foi do carro mais atrás na fila, que saiu a resposta: o homem ao volante, com óculos espelhados, procurou a minha compreensão, apontando com a cabeça para a condutora que quase provocara o acidente: "Não passa com o amarelo, esta gaja... Foda-se!
E, durante este tempo, as sedutoras raparigas de cabelo ruivo já tinham desaparecido. Sobrava o silêncio acentuado por algumas moscas, e três homens desconhecidos, olhando-se entre si, sem nada para dizer, a não ser, talvez, pedir um shot de whisky e, em seguida, regressar ao silêncio.
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