sábado, 27 de março de 2010

Crónica de quinta feira no jornal i


Português Suave

No bairro do Castelo, F. acende um cigarro de erva e, junto ao antigo mercado que em breve se transformará num silo de estacionamento, lamenta a desolação das ruas de Lisboa e a agonia caquética dos prédios. Vive entre Portugal e Sevilha. Fala dos quilómetros de ciclovia na cidade espanhola: “Em apenas dois anos já está em segundo lugar, a seguir a Amesterdão”. Elogia a apetência dos andaluzes para estar na rua e contesta a opção lusitana pelas grandes superfícies: “É o que dá construirem centros comerciais dentro da cidade.” Desempregado, com trinta e tal anos, pondera mudar de vida e concorrer ao subsídio de uma autarquia, no norte de Portugal, que oferece casa, campo, máquinas agrícolas. E porque a erva fumada estimula a associação de ideias, transporta a conversa para o sul: “Está uma pensão à venda na Carrapateira. Não há lá emprego, é uma das regiões economicamente mais deprimidas da União Europeia. Metade das pessoas vive da pesca a outra metade trabalha para a junta ou para a câmara. Mas há subsídios para investir. Ainda monto lá uma pensão e um bar.” Então F. começa a ponderar as contrariedades de um possível negócio na costa vicentina. Fala dos tipos que lá estão e que se comportam como guardiões do território. “Há um gajo que tem uma barraca na praia que vende cerveja quente e nem sequer tem coca cola. Assim que apareceu um tipo numa roulotte, a vender hamburguers e cenas dessas, foi logo corrido. É incrível, o gajo não mete lá coisas novas mas manda o outro embora. Olha, voltou tudo ao mesmo.”

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