quinta-feira, 25 de março de 2010

Crónica de segunda feira no jornal i


Primavera

No mesmo fim-de-semana que os portugueses andaram a limpar o país das barbaridades deitadas pelo cano – 50 mil cotonetes em apenas três praias – e dos trastes atirados para o mato como quem cospe pela janela – uma amiga encontrou três retretes na serra de Sintra –, o editor de ambiente do “The Independent” revelou ao mundo o aparecimento da orquídea fantasma: “Trata-se do cálice sagrado da botânica britânica, procurado anualmente por um pequeno exército de entusiastas durante duas décadas.” O artigo está escrito com o espanto e alegria de quem acabou de encontrar um tesouro de piratas. O herói da história, Mark Jannick, director de uma empresa de motos, passou meses em missões de resgate floral na fronteira do País de Gales. Desde 1986 que ninguém sabia da orquídea fantasma e há cinco anos foi declarada extinta. Mais que uma flor, esta orquídea parece um fungo caprichoso porque não precisa de fotossíntese, sobrevive debaixo de terra e, como uma diva mimada, só aparece com as condições perfeitas. Jannick encontrou-a junto de um carvalho. Como se falasse com a miúda gira do filme, disse-lhe: “Hello you – so there you are!” Jannick, que confessou estar próximo da desistência antes deste encontro, também disse ter sentido euforia – uma emoção que muitos de nós apenas conseguimos com saltos de pára-quedas, drogas ou desportos de combate. Mas, no primeiro domingo de primavera, com o sol a desfazer rapidamente a amargura deixada pelas chuvas e pelas retretes na serra, uma flor parece-me mais que suficiente para ganhar o dia.

3 comentários:

André Bernardo disse...

http://www.youtube.com/watch?v=eq4INP3bJ_I

João Ventura disse...

Este texto é a prova de que não são precisas muitas palavras para dizer as coisas importantes!

ana disse...

uma flor faz-me sempre ganhar o dia...