segunda-feira, 6 de abril de 2009

O encanto assassino das cockteasers


(Texto publicado no jornal do Lux)

São imbatíveis, fascinantes e úteis para o ecossistema dos humanos. Diante de uma cockteaser, e mesmo com as probabilidades em contra, quase sempre os homens vão a jogo.


Há mulheres que se parecem com Fidel Castro: carismáticas e poderosas, mulheres que usam esse encanto para produzir ilusões. Mas o povo, apesar das consecutivas promessas, continua a passar fome. Para essas mulheres, tal como acontece em Cuba, a revolução está sempre em movimento mas não chega a lado algum. Ninguém as apanha, quase ninguém põe as mãos nessa delirante fronteira entre o limite da meia que aperta a coxa e o princípio da virilha. São as cockteasers.

Embora outras línguas disponham de palavras para designar esse tipo de mulheres (calienta pollas em espanhol, rôtisseuses em francês), em Portugal ainda nos falta uma designação eficaz que traduza a capacidade feminina para atrair e jamais cumprir. São mulheres que manipulam os pretendentes como se fossem campeãs de concursos de yo-yo: o homem pendurado de um fiozinho, em redor do dedo, movendo-se continuamente para cima e para baixo. São provocadoras de erecções que nunca saem das calças. Regem-se pelas regras dos museus: podem olhar mas não toquem. Mulheres microondas. Mulheres que nos fazem esperar na fila e, chegada a nossa vez, nos mandam regressar no dia seguinte.

Estas mulheres desempenham um papel fundamental na explicação da natureza masculina: os homens precisam de caçar, mesmo que a presa tenha a velocidade inalcançável de uma chita. Nas palavras do comediante Bill Maher: “Não se pode reformar a biologia (dos homens). E já agora: a pulsão masculina para espalhar a nossa semente é a razão pela qual somos uma espécie de sucesso.”

Mas se, por um lado, estas mulheres confirmam a herança genética, ainda hoje em vigor, dos homens das cavernas (engravida quem puderes para que a espécie sobreviva), por outro lado desactivam o derradeiro objectivo da masculinidade do caçador – podes correr, rapaz, mas nunca me vais apanhar. O jogo é tão infantil e emocionante como os desenhos animados do Tom & Jerry. E os homens caem com frequência numa perseguição que dificilmente conseguem ganhar. Os homens são o gato Tom, rápidos mas inevitavelmente esborrachados contra uma das paredes da casa.

Já vi homens perdidos e deslumbrados com uma alça do sutiã a espreitar entre o ombro e o vestido. Já fui beato de movimentos de dança que, embora aprendidos em aulas privadas de varão, não passam de coreografias assexuadas. Quando estas mulheres prendem o cabelo, estão a dizer: “Sou gira, sou boa, tenho a capacidade de asfixiar-te com as minhas pernas e de oferecer-te lindos bebés.” E mesmo os homens que se julgam conhecedores das regras de ataque e das artimanhas das cockteasers, transformam-se em carrinhos telecomandados que batem uma e outra vez contra a parede.

Conheço quem tenha ido a Paris, depois de uma promissora troca de mensagens escritas, para se encontrar com uma italiana que conhecera em Turim, e tenha acabado a dormir na mesma cama de hotel como se dormisse com a irmã. Ela disse-lhe, no primeiro dia: “Tenho namorado há uma semana.” Numa só noite, partilhei sonhos de jogos de ténis e brunchs cinematográficos com uma loira internacional, cujos lábios pareciam prometer horas e horas de beijos na boca no sofá, para depois vê-la sair da festa de mão dada com o ex-namorado. O homem que diz que nunca foi apanhado nessa teia, em que a expectativa se transforma em burla, mente tanto como o homem que diz: “Isto nunca me aconteceu, é a primeira vez, devo ter bebido de mais.”

Estas mulheres não potencializam apenas o rabo saliente pelo efeito dos saltos altos, a mamas que o Senhor (ou o senhor cirurgião) lhes deu, o cheiro tão promissor como uma sesta alcoolizada na sombra de um toldo de praia. São também experientes comunicadoras, inteligentes no uso da informação, assertivas nas insinuações e nas retiradas. Estudam as mensagens e os emails. Têm o talento de um escritor de romances policiais e a habilidade de mãos de um operador de fantoches. Se houver um sentido de justiça histórico talvez os homens mereçam chegar a casa com dores dentro dos boxers depois de uma noite de toureio. E embora não acredite que, se as mulheres mandassem, as guerras acabavam de vez, concedo-lhes sem resistência essa oportunidade para usarem os homens como anti-depressivos, ou súbditos do seu poder, ou acessórios de moda.

As cockteasers são descendentes das sereias tentadoras e assassinas que cantaram para Ulisses – fornecem drama, entretenimento e pequenas tragédias. Fazem parte das regras da atracção dos adultos. Contudo, os homens costumam pensar que uma cockteaser é tão desonesta como quem aponta uma arma quando não tem coragem de apertar o gatilho. Comportamo-nos como os utentes de um parque de diversões que correm para a montanha russa mas, a meio da subida, já estão a pedir para abortar a viagem. Todos sabemos, mesmo quando despejamos um saco de areia nos próprios olhos, que só vai a jogo quem quer. E mesmo que a casa ganhe sempre, os casinos continuam a estar cheios. É a implacável pulsão do jogo.

7 comentários:

joaninha versus escaravelho disse...

Machista mas muito real. Infelizmente :/
São muitos milhares de anos de carga cultural e “Não se pode reformar a biologia (dos homens). E já agora: a pulsão masculina para espalhar a nossa semente é a razão pela qual somos uma espécie de sucesso.”.
Esta frase diz tudo.

Rita disse...

“Todos sabemos, mesmo quando despejamos um saco de areia nos próprios olhos, que só vai a jogo quem quer.”
Resta saber o que leva cada um a ir a jogo.

Unknown disse...

Este texto está fabuloso e é revelador do teu génio de observador/espectador/intérprete do que chamas jogo. É contundente, sim, e tão real que não há lugar à consternação. We all do it for f*cks sake! "...os homens costumam pensar que uma cockteaser é tão desonesta como quem aponta uma arma quando não tem coragem de apertar o gatilho." Love the battle of the sexes....

Anónimo disse...

E as mulheres vão sempre lançar esse jogo. E os homens vão querer sempre jogá-lo. Faz parte da sua natureza. Tal como o escorpião.

roserouge disse...

Palminhas. Clap, clap, clap...

April disse...

É impressionante como o mundo virtual está impregnado de blogs e bloguinhos ocos com centenas de comentários em cada post, que pode dizer simplesmente "Fui à casa de banho fazer xixi... deu-me vontade", e Tu - que escreves brilhantemente, e quando utilizo esta expressão quero enfatizar a riqueza dos temas e a forma clara e coerente com que passas a ideia para o "papel" - Tu, tens 1... 2... 3 comentários...

É mais menos a mesma coisa que comparar o share do "Prós e Contras" com o da novela da TVI.

Tenho lido muito "por ai", boas coisas até, mas este teu texto...

Hugo Gonçalves disse...

muito obrigado a todos. quem escreve por gosto até se cansa, mas por norma diverte-se muito. obrigado.