segunda-feira, 8 de junho de 2009

Bailarico Eleitoral


Ontem, noite de eleições e alguma ressaca, percebi que a política em Portugal é mais ou menos como a festa antecipada dos santos populares que acontecia na minha rua, no Grupo Desportivo da Pena, com música de Quim Barreiros a abanar-me as paredes da casa e do cérebro.

Os discursos dos candidatos e dos líderes partidários foram tão inconsequentes como as letras da música pimba. Não vi nenhum líder falar da vergonhosa abstenção nem sequer da Europa - falar do que vão lá fazer, do que é preciso que façam. Não os ouvi ser clarividentes quanto aos nossos problemas e muito menos motivadores, ou objectivos, quanto àquilo que precisamos de fazer para sair da modorra mental e da leveza e conivência com que se trata a corrupção, os erros governativos, a mesquinhez do combate partidário. Os políticos ontem falaram uns para os outros e para si mesmos. Só faltou falarem de si na terceira pessoa.

Ouvi o primeiro-ministro usar a estratégia retórica de um treinador de futebol. Sócrates disse que este resultado não ia desmotivar o governo, e só ia fazer com que o executivo trabalhasse mais. Ainda bem que há eleições europeias para motivar os governos quase no fim da sua legislatuta. Já não há equipas pequenas. Todos os jogos são difíceis. Matematicamente ainda é possível ser campeão.

Houve ainda um detalhe que me revelou mais alguma coisa sobre o primeiro-ministro. Percebi que estava irritado e, como já demonstrou antes, tem a impaciência de um pai ao volante, com um filho desrespeitador no banco de trás; o pai que trava a fundo, que ergue as sobrancelhas, que grita na direcção do filho, libertando balas de cuspo entre as palavras. Ontem, usando a derrota como um casaco de fazenda que pica a nuca e os sovacos, e antes de responder às perguntas dos repórteres em sobressalto, Sócrates disse, inquieto, para não se aproximarem demasiado do púlpito nem subirem para o palco onde falava. E é assim que me parece que trata os portugueses: como o pai que tem a certeza do caminho, que quer chegar a horas (as suas horas) a um destino que talvez esteja errado mas que é o seu destino, e que diante de qualquer questão sobre a escolha da rota, diante do desassossego das crianças (nós) no banco traseiro do carro, se presta a largar um grito e a ameaçar com um castigo, se não mesmo com um calduço.

Outra coisa que me fez comparar a festa do Grupo Desportivo da Pena com a noite das eleições, foi a inclinação para os cânticos futebolísticos dos apoiantes dos partidos. Eu sei que, em Portugal, futebol e política se encontram tantas vezes na cama, e clandestinamente, como o marido casado que vai às putas. Mas há limites para a futebolização das nossas mentes. Na maioria das sedes dos partidos (com grande destaque para o coro de Santo Amaro da JSD), cantou-se e gritou-se como se duas equipas de liceu se enfrentassem na final do campeonato. Coisas como “Ninguém pára o Rangel”, “Manela vai em frente, tens aqui a tua gente” ou o fascinante exercício pedagógico, ao género da Rua Sésamo, de juntar uma letrinha a seguir a outra e a outra. “É Jota, é D, é JSD". Até os sofisticados esquerdistas, comedores de trufas e detentores da arrogância moral de quem acha que é sempre dono da verdade, agitavam bandeiras como se fossem adeptos do Leeds United e gritavam, com a criatividade dos contabilistas: “É bloco, é esquerda, é bloco de esquerda”.

Eu compreendo a alegria de vencer eleições, e ontem parece que houve imensos vencedores. Compreendo a festa, a agitação vocal e a vontade de cantar. Mas se os discursos tão frouxos e vazios forem constantemente interrompidos para gritar o nome do partido ou “Portugal, Portugal”, estamos a usar um penso rápido quando precisamos de um transplante. Os gritos e as bandeiras agitadas parecem-me cuidados paliativos (o palhaço que vai visitar as crianças com leucemia) em substituição da dolorosa cirurgia que realmente precisamos. No fundo, a noite de eleições pareceu-me o campeonato de karaoke amador no Grupo Desportivo da Pena. E deve ser por isso que ainda me sinto com ressaca.

4 comentários:

IPQ disse...

Lindo! Adorei a comparação do sr engenheiro ao pai que tudo sabe e que facilmente se irrita.
Muito bom

continuando assim... disse...

podemos sempre imaginar que tudo isto não existe
basta ficar sentado numa cadeira e olhar para o fantástico espetáculo da destruição de um país ... eu por vezes faço isso , assim como se estivesse no teatro

gostei

Unknown disse...

este texto está fantástico.... ninguém como tu para caçar estes tiques todos! Chapeau, mr witty, chapeau, encore une fois! x

Mónica disse...

é melhor beber mesmo, pq só alcoolizado se aguenta este país! Subsrevo tudo o que se escreveste; os 63% ou 64% pareceram um fait-diver que nem sequer assombrou o facto de que TODOS os partidos ganharam menos o PS, que nem sequer perdeu; não ganhou mas não perdeu.

à pala disso, este fim de semana foram morangoskas e sangria, com caracois, chouriço assado e ameijoas. Só assim se aguenta o facto que vivemos numa ala psiquiatrica.


bjs