quinta-feira, 30 de abril de 2009

Caralivro


Texto publicado no jornal do Lux

Se o título deste artigo fosse facebook conseguiria muito mais leitores – o que só prova que as redes sociais de internet já fazem parte do dia. E da noite. Nada disto é científico, claro. Muito menos este texto (mesmo que diga a verdade).

Hugo Gonçalves

O facebook permite-nos ser glamorosomente interessantes mesmo que estejamos em casa de cuecas, ou no escritório, enquanto esperamos uma reunião com pessoas que não lavam o cabelo com a devida frequência. No escritório, estamos debaixo de luzes fluorescentes, agoniados pelo bolo alimentar do colega que mastiga a sandes de carne assada. Mas abrimos o Facebook e, de repente, estamos noutro lado, onde podemos partilhar um vídeo de Dean Martin a cantar “Sway”, e recriar um sentimento de copo de whisky na mão, smoking com o laço maltratado e a possibilidade de um romance que dure até de manhã. Não estamos sozinhos: somos generosos ao ponto de partilhar a banda sonora do nosso dia com os duzentos amigos da nossa rede social de internet. Também eles, ainda que por dois minutos, estão com vontade de deslizar pelo chão e cantar: “When marimbas rythms star to play dance with me make me sway”.

Para a maioria das pessoas a vida é como o Fernando: umas vezes a pé, outras vezes andando. Ou seja, aborrecida e conformada. Condição que se agrava se tivermos em conta que a maioria das pessoas não faz o que gosta: seja lamber envelopes ou usar máquinas de calcular para fechar balanços.

Como dizia Tom Wolf: “A realidade é um bom sítio para visitar mas eu não viveria lá”. Claro que Wolf se referia à realidade de lamber envelopes enquanto se vê telenovelas.

O facebook não tem as qualidades risonhas do Prozac, mas parece-me ser um estímulo para que as pessoas ponham a cabeça a funcionar (um bocadinho mais).

No facebook recuperou-se esse espírito de competição e vaidade (tudo coisas boas, já vão perceber) que tínhamos nas salas de aula – queremos ser engraçados, interessantes, atraentes. Queremos acreditar que temos alguma coisa para partilhar e que as nossas ideias ou gostos irão tocar os outros, melhorar-lhes o dia durante uns segundos.

O facebook faz-nos mais interessados e mais generosos – seja a partilha de uma notícia do Jakarta Post, uma petição para que os bares do Bairro Alto fechem depois da duas, uma canção da Likke Li (descobri-a no facebook através de uma amiga) ou uma frase do John Updike (esta usei-a eu): “Somos seres criadores, potentes e plásticos, o mundo na nossas mãos. Estamos a brincar com dinamite.” Ou outra, menos literariamente pretenciosa, de uma amiga, que melhorou a qualidade cómica do meu dia: “Tenho dois grandalhões a montar-me um armário em casa e estou razoavelmente agradada com a circunstância”.

O Facebook é o liceu, o bairro, a rua. O princípio é o mesmo: dar e receber informação e querer que os outros gostem de nós e do que temos para dizer. Trata-se da mesma alegria que sentíamos ao partilhar um disco novo, no recreio, ou o mesmo desassossego se conversávamos com a miúda de aparelho nos dentes que, embora de ançaime metálico temporário, continuava a dar cartas no campeonato de beleza do liceu. O facebook são os humanos a serem humanos.

Mas quando os humanos são humanos também mandam para a prisão quem afirma que a terra é que dá voltas ao sol. E é por isso que há uma certa sobranceria em relação ao facebook. Uma desconfiança – a mesma desconfiança que o meu pai tem em utilizar o multibanco; a mesma desconfiança que as pessoas da alta cultura (lol) têm quando olham para tudo o que esteja abaixo de Brecht e dos romancistas russos; a mesma desconfiança que se tem com as coisas novas que nos afectam a vida mas que ainda não conseguimos compreender muito bem.

E se houve gente que se assustou com moda da Bota Botilde, dos Tamagochis ou das camisas de cornucópias, é normal que se assuste com o facebook. Porque, como quase tudo na vida, o facebook também traz consigo lixo (se eu quisesse responder a questionários sobre qual é a minha cor preferida tinha ficado no infantário). O facebook é como as drogas: a sua natureza é boa ou má consoante a utilização que fazemos delas. Beatles = drogas = Penny Lane. Nicole Anne Smith = drogas = suicidio. Há quem passe dias na palheta no facebook deixando a produção do país na agonia dos calinas. Há quem tenha a capacidade para esgalhar um bom comentário em menos de cinco segundos e continuar com a sua vida. Eu tenho a sorte de ter amigos que dizem coisas de jeito, capazes de fabricar maravilhosos pensamentos incomuns sobre coisas comuns. Se há pessoas com amigos facebookianos que escrevem com a mão esmagadora das coisas chatas e vulgares, o problema não é meu.

Neste texto falo apenas do aspecto criativo e entretido do facebook, porque esta rede pode ser utilizada para trabalho, para consciencialização social e provavelmente para muitas outras coisas que valham a pena – como prova a campanha eleitoral de Barack Obama. Mas isso é uma história mais séria. Prefiro dizer que me divirto e que produzo no facebook. Uso-o como laboratório para outras coisas que escrevo. Invento frases. Exploro ideias. Descubro livros, música, notícias, o sentido de humor dos meus amigos.

Nunca falhei um compromisso de trabalho por causa do facebook. Nunca confundi o mundo real com as janelinhas de chat. Tenho amigos de carne e ossos lindos que me abraçam, saio para a rua (mais até do que devia), conheço pessoas novas (ao vivo) sem precisar de as adicionar no facebook. Continuo, imagine-se, a ler coisas em papel, a praticar relações de cama e a observar as pessoas na Praça do Rossio. O facebook ainda não me comeu as entranhas do cranio nem fez de mim um robôt ao serviço da vulgaridade.

O facebook é, afinal, como as sestas de quinze minutos aconselhadas pelos médicos. Fazem-nos bem, ajudam a revigorizar o corpo e potencializam a criatividade. Mas o facebook também é deliciosamente inútil, como são tantas vezes as conversas entre amigos, cara a cara, com risos sonoro e copos de amêndoa amarga com muito gelo e sumo de limão. Essa é a piada da leveza absurda das coisas, porque a vida é demasiado importante para se levar a sério. E mesmo que o facebook venha a ter o mesmo tempo de influência nas nossas vidas que teve a Bota Botilde, resta-me a alegria de, após ter convidado os meus amigos facebookianos a encontrar palavras lusitanas, fazer aqui um best off dessa recolha: biltre, gandim, sarrabulho, intigamente, ósdepois, vou cânhemãe ao médico dos pézes, regabofe, rambóia, tufunaste, biciclete, camionete, salxixa, espilrro, patife, catota, bardajona, moleirinha, catrapisca, torresmo, burrié, galhofa, curaçã, médico-da-caixa, sarrabeco, lambisgóia, sirigaita, rabiló, coninhas, panhonha e escanifobético.

E agora digam-me que o facebook não presta.

7 comentários:

Anónimo disse...

Ahaha! Para isto é que andavas na maratona de palavras? :D
Pois bem, tenho a dizer que não uso e abuso do Facebook, não tanto como poderia. Dá para ver que é um óptimo laboratório de opiniões.
*HC

L.T. disse...

eu acho que quem acha que quem deixa de fazer algumas coisas por dizerem que elas são simplesmente inputeis, não podem ser pessoas assim tão felizes. eu, pelo menos, sou muito mais feliz quando no meio de algumas coisas inúteis do que rodeada apenas de coisas muito importantes.

Etimologia dos nomes disse...

É sem duvida um mundo paralelo muito interessante! Mas mais interessante é o que escreves...
well done.
;)

Mónica disse...

sacana. escreves mm bem. não há nada que me desencante.

e 'tou no facebook. mantenho as relaçoes com pessoas de ossos e carne mas é bom facebookar com os meus amigos de sempre às 3h da manha.

pr disse...

oh Hugo, tu existes mesmo ou és mais uma produção fictícia? Seja o que for,isto promete. Parabéns.

Melquíades, O Novo disse...

Meu caro, sei que venho atrasado, mas há um lexema de rara piada que gostava de anexar a essa lista. A palavra "velhaca" e sua significância. Irrita me ao ponto de salivar. Ahahaha

: Myra Hindley : disse...

Peço desculpa pela intromissão, mas vou ter que contestar...
As coisas devem ser usadas com conta, peso e medida e, lá pq o faças, não quer dizer que o resto do mundo o faça...
As pessoas limitam-se a viver no que não existe...
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