sábado, 25 de abril de 2009
Este País de Coninhas ou 25 de Abril Sempre
Virei uma bandeira ao contrário, filmei-a, e as imagens passam agora na Sic Radical, em forma de promo para o programa Esplendor de Portugal. Segundo um artigo do Diário de Notícias pode ser grave. Para o deputado Osvaldo Castro, do PS, parece até que dá direito a intervenção judicial. O que eu realmente gosto? Que isto tenha acontecido no dia 25 de Abril. Oh my sweet baby Jesus.
Tive a sorte de ter crescido em democracia e estou muito, mesmo muito, grato por poder escrever num blog, num jornal, até numa parede, sem me arriscar a levar umas bolachadas de uns senhores da polícia. Mas a gratidão não desagua na acomodação, e é por isso que a mesma democracia que celebro é a democracia a quem, caso fosse eu jogador de futebol, faria uma entrada a pés juntos sempre que necessário.
Para perceber melhor as consequências da minha inquietação com o estado das coisas, pergunto ao deputado Osvaldo Castro, ou a quem saiba, se também corro o risco de ofender a Nação ao usar cuecas com a bandeira (já as vi à venda). Ou quando as marcas comerciais, quase sempre em tempo de jogos da selecção, aproveitam a bandeira para vender cerveja e cartões de crédito. Ou quando o Deco não canta o hino. Também gostaria de saber se são ofensivas as milhares de bandeiras mordidas, estioladas, cagadas, que se encontram nas varandas do nosso país, herança dessa propaganda de Luiz Felipe Scolari, durante o Euro 2004, quando o torneio se transformou num símbolo da nossa História, seja pela pertinência dos estádios construídos seja pela confirmação do nosso carácter maníaco depressivo: um dia histéricos com o futebol, outro dia fadistas com o resto da vida.
O deputado Osvaldo é presidente da Comissão parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias e gostava de perguntar-lhe se é uma ofensa a um símbolo intocável (o próprio povo da Nação), eu viver num país onde a corrupção não só é praticada como é aceite pela sociedade com um piscar cúmplice de olhos, onde as pessoas se matam nas estradas, onde durante décadas se produziram paisagens suburbanas que parecem um lego comido por uma praga de gafanhotos, onde a Justiça funciona pior que uma associação de estudantes de liceu, onde jornalistas e políticos existem no seu mundo alternativo de frases feitas e folhetim, uma espécie de reality show que busca votos e audiências.
Diz o DN:
"O site (da Presidência da República) lembra expressamente que o artigo 332.º do Código Penal pune com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias 'quem publicamente, por palavras, gestos ou divulgação de escrito, ou por outro meio de comunicação com o público, ultrajar a República, a bandeira ou o hino nacionais, as armas ou emblemas da soberania portuguesa'.
Face a este dispositivo de defesa penal da bandeira, Osvaldo de Castro considera que qualquer 'juiz sensato considerará que a utilização dada pela SIC-Radical não se justifica'."
Gostava de dizer ao presidente da Comissão parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias, que me sinto com o direito de virar a bandeira ao contrário, com a liberdade para defender a minha decisão e com a garantia de que o bom senso importa mais que o gosto pelas minudências legais.
Um dia perguntaram a uma bailarina russa, depois de uma actuação, qual era o significado do seu espectáculo. Ela respondeu: "Se pudesse explicar, não precisava de estar uma hora e meia em palco."
Ter de explicar porque virei a bandeira ao contrário, ter de explicar o contexto em que isso foi feito (promoção de um programa de televisão sobre um país que, sim, eu acho que está de pernas para o ar), ter de explicar que não há alí um exercício de traição ou de cospe na cara do pai, parece-me tão desnecessário como o ultraje que as pessoas possam sentir ao ver o escudo e as quinas a fazer pino.
No dia 25 de Abril de 2009 esperava que uma ofensa aos símbolos nacionais fosse muito mais que uma promo de tv, e que a capacidade de provocar fizesse parte da nossa disposição mental de ex-carneirinhos no rebanho do pastor Salazar.
Nunca fui grande ouvinte de canções de intervenção mas hoje dei por mim a cantar o "Agora, o povo unido nunca mais será vencido", que tocava na rádio da mercearia da minha rua. Com dois queijos frescos na mão e um croissant de chocolate, pensei: "Tenho duas hipóteses, sempre tive. Ou digo 25 de Abril Sempre. Ou digo Méeee!"
Passo seguinte: içar o Cristiano Ronaldo numa grua. De pernas para o ar.
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7 comentários:
Tanta criancinha a morrer a fome e eles preocupam-se com uma bandeira de pernas para o ar quando é essa a imagem mais fidedigna do que se passa neste pais onde vamos vivendo. Espero que pelo menos sirva a mençao para aumentar as audiências:).
boa continuação e bom 25 de abril e já agora 26 e 27 e seguintes...
beijo
busycat
Tinha um professor que dizia que um jornal só era um jornal quando era processado em tribunal. Acho que o teu programa já é um sucesso. Pelo menos só com o anúncio já pôs a nu muita, muita coisa sobre o nosso país... a mesquinhice, céus, a mesquinhice. Eu, portuguesa, sinto-me bem mais ofendida por ver, num telejornal, por exemplo, a reportagem da vitória da Telma Monteiro no campeonato europeu ser muuuuito mais pequena que a peça de fait-divers cor de rosa de um diz-que-disse de uns treinadores de futebol. Estamos sempre a olhar para o lado errado. Sempre. Definitivamente, de pernas para o ar.
Ah! E essa piadinha do Cristiano Ronaldo... É bom que arranjes um advogado. Prepara-te para seres processado por plágio.
Dúvidas houvessem porque vais dar a cara por um programa de televisão e acabavam-se num minuto. Porque muito mais do que escreveres, sabes o que escreves. Muito mais do que "atacar" gratuitamente, sabes defender aquilo em que acreditas. Porque utilizas a palavra e o argumento como justificação das tuas ideias. Porque já "dás que falar" sem ainda ter "falado".
Definitivamente o ser humano não suporta ver nada melhor que ele próprio.
A promo?! Só tenho duas palavras: Bru-Tal.
Ferran Adrià: "Comprender? Pero tú entiendes el mar? Lo que yo busco es emocionar...".
Bravo, seu Hugo, pelas provocativas amostras ('teaser' é estrangeiro). São antigas no meu imaginário (no teu então) mas agora é que estão a dar frutos. E de que maneira. Sabe como é que eu vim parar aqui? A besta satânica enviou-me este link através do Gmail. Tempos modernos, amigos de origens radicalmente distintas estreitamente interligados... Ah, os sonhos de Verne, Asimov e tantos outros finalmente em vias de concretização. Próxima promo? Um disco da Mariza (a Amália parece-me mau demais) riscado e lançado pela janela. Não?
Como é que alguém poderá levar um programa a sério – mesmo quando põe a bandeira de pernas para o ar – quando o título está escrito e mal amanhado em Verdana? É o design gráfico, estúpido!
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