segunda-feira, 4 de maio de 2009

Portugal Multitask


Sempre me questionei sobre o espanto e o escândalo com que muitas pessoas escutam críticas a Portugal, como se as críticas, ou seja, a capacidade de analisar, pensar e elaborar uma opinião, fossem tão vis como a traição de Judas.

Não sinto que tenha alguma dívida por pagar ao meu país. Gosto muito de ser português, mas não tenho um orgulho especial em sê-lo, porque essa característica da minha personalidade e do meu passaporte apenas se deve ao facto de o meu pai e da minha mãe terem tido relações sexuais neste território. Nada de extraordinário, portanto.

Gosto de Portugal como gosto de melancia e da Praia Grande e da língua em que escrevo e da minha família: porque cresci com tudo isso e é normal que os afectos estejam no lugar onde crescemos. Se os meus pais tivessem imigrado para a Baviera de certeza que me emocionaria mais diante de uma salsicha. Sendo assim, prefiro carreirinhas e pernas de pau. Tudo isto para dizer que, gostando de Portugal, não me sinto como uma beata diante da irmã Lúcia. Portugal, meu amor, digo-te agora que não estás a salvo de apanhar.

Além disso, o argumento de que perdemos demasiado tempo na maldicência em vez de metermos as mãos na massa, não pega comigo. Primeiro, porque maldicência é coisa de porteiras que acham que a vizinha do 2ºEsq se anda a meter debaixo do rapaz da papelaria. E eu sei que quando aponto o dedo ao que está mal, não é porque o Cristiano Ronaldo falhou um penalti, mas porque me dei ao trabalho de perceber o problema e teria gosto em resolvê-lo.

Em segundo lugar porque eu ponho as mãos na massa todos os dias em vez de mandar bitaites na mesa do café enquanto vejo as notícias da TVI.

Há um tipo de discurso, cada vez mais usado pelos políticos, que se alimenta da própria crise para esconder a miséria mental do país. E, como tem sido hábito, a carneirada come o que lhe põem no prato e continua acreditar nesse novo mantra nacional: sejamos optimistas uma vez que não vale a pena estar sempre a dizer mal de tudo. Eu não sei se este argumento maravilha crianças de seis anos, mas claramente não me convence. O facto de eu ser optimista (que sou), não implica que não possa estudar, ponderar, apontar o dedo e, se preciso, até dizer, Foda-se, estou farto desta merda.

O optimismo não anula a crítica. Se há tanta coisa que está mal, não esperem que eu entre no rebanho do optimismo só porque faz dói dói ao país dizer mal dele. Portugal é, por acaso, uma adolecescente sensível com acne e cabelo oleoso?

Pensando bem, e considerando que podia ter nascido no Irão, talvez tenha uma dívida com Portugal: a liberdade para pensar, para poder sair daqui, para voltar, para falar mal, e até para disparar palavrões ofensivos contra os meus concidadãos e governantes. Mas, e aqui está o coração do problema, nada disso me impede de trabalhar todos os dias para que as coisas sejam melhores.

Não sou uma Bymbi, mas consigo fazer mais que uma coisa na minha vida.

Ps - o facto de ser português e de saber tão bem que padeço de certos males nacionais, e que sou muitas vezes protagonista deles, não me afasta da crítica, só a torna mais legítima.

4 comentários:

Marta Pisco disse...

http://martadeamsterdam.blogspot.com/2007/01/post-brutamontes-e-reaccionrio.html

Ora, se te apetecer e ja nao estiveres zangado comigo e a minha piadola (toquei inadvertidamente algum nervo sensivel ou estas apenas mesmo muito fulo hoje?), le o que eu escrevi em Janeiro de 2007.
Pelo direito ah critica!
Foda-se! :)

Anónimo disse...

ai pá... bom, muito bom!

Nuno S disse...

Para quem vive na America do Norte ha' mais de uma decada, posso atestar que esse sentimento de Judas e'uma das razoes que me fez afastar do Pais e dos Portugueses (para sempre?). Por muitas criticas que os EUA possam merecer, e garanto que nao sao poucas, um fenomeno regenerador como o Obama esta' a anos luz da vidinha desinteressante dos socrates, isaltinos, tvis, cgtps e octavio machados a concorrer por Palmela.

10 milhoes de habitantes e os mesmos de sempre a governar, a escrever, a reportar, a presidir. A minha pergunta e' genuina, e sem ponta de ofensa: "Como e' que ainda se consegue viver em Portugal?". O sol e' assim tao bom?

E' natural que Portugal nao tenha futuro...acho que nao se consegue desprender do passado.

Mónica disse...

talento e sentido critico neste país é uma arma de arremesso. Somos totalmente bipolares. Queixamo-nos que o pais está entregue a 1 cambada de incompetentes, corruptos, interesseiros aliados a uma populaçao que nao faz nada, mas quando alguem lucidamente intervem e questiona... já é uma besta

Ser-se bom neste país é mesmo fodido!!!