sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Crónica de hoje, no jornal i


Brasiú

O Carnaval acabou. Já posso falar do Brasil sem referir bundas que tremem samba no frio da Mealhada. Também não me interessa o ultraje com Maitê Proença ou a arrogância civilizacional de acharmos que os brasileiros são todos futebolistas, prostitutas ou malandros. Não esqueço, claro, a pobreza, a insegurança, a corrupção no Brasil, mas sei que o país vive um momento único, como ilustrou a capa da “Economist”, com o Cristo carioca a levantar voo como um foguetão: “Brazil takes off”. Hoje interessa-me mais uma conversa, numa festa em Lisboa, entre brasileiros, e o seu entusiasmo ao falar do Brasil: “Os próximos 40 anos serão extraordinários. Não é apenas a economia, é um estado de espírito”. Tentei responder, alcoolicamente, com o Euro 2004 – um mês de euforia que acabou numa final perdida e estádios mumificados. Sei que não é a mesma coisa, e tive de reconhecer que, em toda a minha vida, nunca senti que os portugueses tivessem o mesmo entusiasmo, com Portugal, que os brasileiros mostram hoje pelo seu país. Senti inveja. Foram precisas as palavras do jornalista brasileiro Zuenir Ventura para perceber o meu engano: “Inveja é querer que outro não tenha, cobiça é querer o que não se tem”. Então, sofro de cobiça. Quero esse estado de espírito, sabendo que o melhor de Portugal passará também pelo Brasil – pela sua esperança, pelo seu vigor, pela sua criatividade. Em tempos, Saramago corrigiu um brasileiro, dizendo-lhe: “A língua é minha, o sotaque é seu” Estou-me nas tintas para o sotaque. Porque, senhor Saramago, não se trata do passado. Trata-se do futuro.

Nota: estas crónicas só estarão online até ao final da semana, depois serão exclusivas em papel no jornal i

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