sexta-feira, 27 de maio de 2011

Relatos masculinos sobre mulheres estereotipadas, publicado no jornal i




Diogo e a cock teaser

Ela era loira e magra e muito beta. Mas também era tão gira que passei um mês a dar-lhe boleias, a escrever bilhetinhos e a cortejá-la com jantares e apontamentos da faculdade e presentes originais que ela, tenho agora a certeza, achava inúteis. Os seus cabelos manipulavam-me como se eu fosse um golfinho amestrado, sempre pronto para a salvar. Eu escondia o meu tesão, escondia a minha natureza. Ela não ia dar-me nada que estivesse além da fronteira da roupa. Repara, não era pudica, de certeza que havia quem lhe pusesse as mãos nas mamas. Mas eu era o microondas, a volta de aquecimento, caindo no seu jogo de vai-vem, o anda cá agora que preciso de tua atenção, artolas, e toma lá um inunendo sexual para continuares na minha órbita, ou um bater de pestanas que queria dizer: sei que vais para casa brincar com o teu corpo como se fosse um jogo de flippers enquanto pensas na minha boca que comia um cornetto pago por ti.
Já reparaste que não há uma palavra, em português, para classificar as mulheres que provocam mas não dão nada? Os espanhóis têm “calienta pollas”, os franceses dizem “rôtisseuse”, os anglo-saxónicos dispõem de “cockteaser”. Faz-nos falta uma palavra assim na nossa língua, alguma coisa que nos avisasse da existência perigosa destas mulheres que nos têm presos pelas partes baixas.
No fundo, sabia o que ela estava a fazer. Sabemos sempre. Um dia fomos lanchar e ela começou a falar-me de outro gajo. Declarou-me o seu amor por um beto mais giro, mais alto e que a desejava menos do que eu.
Podia dizer que isto aconteceu porque eu era um miúdo. Mas não. Eu caí então como caio agora, ainda hoje, com esta idade, porque sigo a incontornável lei biológica que mantém viva a espécie: espalha a semente. Parece-te um disparate? Então como explicas que mesmo conhecendo a existência destas mulheres tantos homens se enfiem contra a parede, uma e outra vez, qual carrinho (mal) telecomandado? Meu amigo, o predador desata a correr ainda que saiba que a presa é mais rápida e engenhosa. Uns chamam-lhe estupidez. Eu sou apenas um escravo estúpido do sangue animal que herdei.


Pedro e a papa-hóstias
Eu estava no Rio de Janeiro de férias, estavas lá comigo, Hugo, conheces a história tão bem como eu. Mas está bem, eu falo disso: nós com um apartamento ao lado da casa de meninas mais famosa da cidade, perto da praia com corpos resplandecentes de bronze e possibilidades, as nossas amigas cariocas giras na cabeça e sem teias de aranha na moral, mas calha-me uma miúda que, sempre que passávamos diante de uma igreja, se benzia e dava um beijinho no Cristo de prata no fio ao pescoço. Numa noite pós jantar/chopp/passeio na praia, lá nos beijámos à porta do prédio dela (vivia com os pais). Eu arrisquei uma mão na bunda, e a mão dela, manipulada pelos ensinamentos do senhor padre, rapidamente me pôs na linha.
Já viste como a religião escavacou a sexualidade das mulheres? E dos homens? Mas com as mulheres é pior. Na doutrina clerical bafienta, as mulheres ou são putas – Maria Madalena – ou são santas – Maria imaculada mãe de Cristo. Devassa ou virgem mãe – por mais bizarro que seja a ideia de uma mãe com o hímen intacto. Faz algum sentido? Não tem que fazer, é religião, essa forma burocrática que a superstição encontrou para parecer mais legítima e chamar-se religião. E depois foram séculos a destruir a auto-estima feminina, a constante tentativa de controlar as pessoas, cintos de castidade, uma campanha de medo e castigo, a ameaça definitiva em jeito de exortação: cuida do templo que é o teu corpo, os homens vão tentar abusar de ti e poluir a tua pureza, ama apenas o Senhor e não os senhores que te convidam para jantar. Caso contrário és uma quenga que arderá no inferno da fornicação eterna – e serás escorraçada por nós, queimada, excluída, achincalhada em praça pública. Um banqueiro tem mais hipóteses de entrar no Paraíso que uma mãe solteira com três one night stands na sua carreira de cama.
No último dia no Rio, ela quis levar-me a passear. Sabes onde fomos, não sabes? Lá a cima, mais perto do Céu, onde vive o Cristo Redentor de braços abertos sobre o assombro que é aquela cidade onde todos se comem – menos eu e a papa-hóstias.

Rodrigo e a mulher casada
O sexo era tão bom que os vizinhos acendiam um cigarro. Ela estava em forma, quase não se percebia a cicatriz da cesariana e a hora de almoço sempre foi das minhas preferidas para foder (podes escrever foder, no jornal? Se puderes, melhor, porque aquilo não era fazer amor). Ela chegava a minha casa, fumávamos uma ganza, ela trazia sempre um Cd novo, punha a música a tocar e comíamos japonês, bebíamos cerveja gelada, ela dizia: “Vou almoçar-te”. Minutos depois estávamos na cama, a transpiração arrefecida por causa das janelas abertas para a luz da cidade. No final, cada um caía para seu lado da cama, pensando coisas muito diferentes, o coração a bater numa veia do pescoço, o fôlego recuperado aos poucos, uma espécie de trip com levitação.
Regressados à realidade, dizíamos umas piadas, ela tomava um duche e eu fumava um cigarro a olhar os jacarandás da rua. Ela nunca se demorava. Eu gostava disso. Era muito bom, muito cinemático, e até durou um par de meses. Mas havia coisas que me faziam perder o equilíbrio sobre a corda. Mais que uma vez ela atendeu o telefone para falar com o marido. Nós dois nus, o lençol tão desarrumado que se via parte do colchão, uma caixa de preservativos no soalho e ela, “Baixa a música”, antes de atender, enquanto se cobria com uma almofada.
Então eu tentava ficar longe, mas por vezes ouvia a voz do marido, coisas sobre familiares e cartões de crédito e miúdos para apanhar na escola. Na última vez que ela entrou lá em casa o telefone tocou quando, entre as suas coxas, eu parecia um crocodilo camuflado, instantes antes do ataque. Sentei-me na cama e ela atendeu. Ouvi um dos filhos perguntar: “Mãe, onde estão os patins em linha?”
Eu sei que tu és um libertário armado ao libertino e mais não sei quê, mas aquilo atirou-me ao chão. Não te rias, ela podia ser a tua mãe. Pois. E até aposto que não metes isto no jornal.
Só mais uma coisa: tem cuidado quando te puseres a reduzir as mulheres a conceitos, como se fosses um publicitário. Funciona muito bem numa página de jornal ou no teu facebook. Mas na vida, na cama, no mano-a-mano que são estas coisas, nada nunca é tão simples como queres que pareça nas tuas histórias.


PS - Após a publicação deste texto, recebi um email de um leitor tão engraçado como pertinente. Transcrevo parte desse email, pela importante informação contém: "Talvez
por ser uma pessoa com "tendência" para passar por situações semelhantes àquela que o Diogo descreve, há muito que aprendi a classificar essas mulheres.

"ESTICA-PIÇAS"

Não sou o criador da expressão. Ouvi-a pela primeira vez
numa discussão de amigas quando uma delas acusava a outra de ser uma
"estica-piças". Acho que o seu amigo Diogo ficará feliz por conhecer este vocábulo."

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