terça-feira, 15 de setembro de 2009

Reality Check




Para mis preciosos amigos Quique y el señor Ruso, luso-españoles que me han enseñado tanto sobre España y sobre la maravilla de la diversidad

O que é que os espanhóis pensam de nós? Não pensam.

Desde que Manuela Ferreira Leite afirmou que Portugal não é uma província de Espanha e acrescentou que o governo de Zapatero só tem interesse em que o TGV chegue a Lisboa por causa dos fundos da UE, tem-se repetido, uma e outra vez, “De Espanha nem bom vento...”, numa falta de originalidade que se compara com a previsível lista de lugares comuns usada por futebolistas em flash interviews.

Vivi três anos em Espanha, escrevi muito sobre o país e aquelas gentes, e posso dizer que eles não pensam nada de especial sobre nós. Não se trata de arrogância civilizacional. O complexo é nosso. Posso dizer que a desconfiança não é recíproca e que, neste caso, Portugal é como aquela miúda da turma que julga que toda a gente fala mal dela pelas costas.

No tempo que vivi em Espanha nunca me senti constrangido ou diminuído por ser estrangeiro. No entanto, posso dizer que alguns espanhóis que conheço, a viver em Lisboa, se queixaram dessa hostilidade mesquinha dos portugueses para com aqueles que chamamos, comicamente, de “nuestros hermanos” – uma desconfiança que herdámos com a mesma naturalidade com que uma criança aceita ser do Benfica porque o pai lhe disse que era assim.

Uma amiga espanhola, a trabalhar em Lisboa, mas com um carro de matrícula madrilena, - a mesma amiga que se espantou que um país tão endividado como o nosso tenha um parque automóvel topo de gama – ouviu várias vezes, no trânsito, “Vai prá tua terra”. Outra espanhola, recém chegada, perguntou-me porque razão as miúdas da festa onde estávamos, com cintura estreita, licenciatura no ISCEM e endereço em Cascais, não falavam com ela. Um amigo português, quando avisou na empresa lisboeta que se ia mudar para Madrid, recebeu o conselho de um colega: “Cuidado que os espanhóis são filhos da puta”.

Não estou a dizer que eles são menos xenófobos que nós, aliás, inventaram uma palavra para os imigrantes sul americanos - "sudaca" - quase tão ofensiva e humilhante como “nigger” no dicionário dos insultos norte americanos.

Há generalizações de ambos os lados da fronteira. Os nossos clichés dizem que eles são ruidosos e que vêem com as mãos. Os clichés deles dizem que nós vendemos toalhas baratas e que as nossas mulheres têm bigode. Contudo, para nossa sorte e azar dos sul americanos a viver em Espanha, nós até somos europeus e temos boas praias e os espanhóis elogiam o charme de Lisboa e acham-nos romanticamente nostálgicos – por algum motivo Pilar del Rio veio fazer um peça jornalística sobre a Lisboa de “O ano da morte de Ricardo Reis” e acabou casada com um dos nossos exemplares mais talentosos. Eles retribuíram com a Zara e com o Corte Inglés em território lusitano.

O que é que os espanhóis pensam de nós? O mesmo que nós pensamos dos eslovacos. Nada de especialmente profundo ou ofensivo. Em 2009, ver uma candidata a primeiro-ministro perder tempo de antena com medos históricos da era em que as pessoas morriam com uma constipação e os judeus eram assados no pelourinho parece-me tão pertinente como pensar que a masturbação resulta em cegueira e acne facial.

Ps - Ontem vi parte do debate em que falou o líder do extremista PNR. E, quando o ouvi falar dos imigrantes malvados, só me apetecia dizer-lhe que ele, um puro lusitano, tem um olho maior que o outro e que, em certas culturas primitivas, isso é tão ofensivo como ser preto, ou chinês ou ucraniano. É fodido uma pessoa ser julgada por alguma coisa que não depende de si, como a cor da pele, o local de nascimento ou o estrabismo, não é? O presidente do PNR não tem culpa do seu desequilíbrio facial, foi azar genético ter um olho no burro e outro no cigano, mas pensar como pensa, isso já é uma escolha da sua cabeça em delírio ariano

4 comentários:

Unknown disse...

I absolutely love the wit.
É uma tristeza ver a prestação da líder da oposição, que não consegue evitar ir ao tapete com a sua visão retrógada sobe quase tudo...
Mas há que achar graça à coragem de assumir e reafirmar as barbaridades que deixa escapar...
...ou isso, ou mais vale chorar.
Há algum tempo que nos debates eleitorais não se fazia verdadeira comédia lusitana...
"temos no nosso programa, no nosso programa eleitoral, um programa de apoio à delinquência juvenil."
Tres hurras por Manuela...

Marta disse...

Hugo a presidente.

Diogo disse...

Quem te viu de auticilante da joventude centrista colado na tua BW's estranha um pouco este ataque á Manuela, não que eu a defenda porque nem sequer gosto dela. Não me pareceu que fosse um ódio ancestral pelos espanhóis que motivou as suas declarações, mas sim dúvidas (com as quais eu me sinto tentado a concordar), sobre um negócio com contornos duvidáveis da parte do governo Português e que o Governo espanhol vem a terreiro defender. Não eu não acredito que seja por serem espanhóis.

Hugo Gonçalves disse...

ah, a coerência, esse valor sobrevalorizado. mas não é caso para estranhar, diogo, ao contrário do barroso e do seu mrpp não tenho problemas nem vergonha em dizer que ao 18 anos fui do CDS PP durante uma campanha eleitoral, tal como usava sapatos de vela e acreditava que deus existia. Felizmente 15 dias serviram-me para perceber que não me dava bem com partidos políticos nem com a direita de camisa do cavalinho. Acontece que as pessoas evoluem e crescem e aprendem e começam a pensar pela sua própria cabeça, deixando de ser apenas o resultado do meio onde crescem e da forma como foram educados - uma família de direita e um colégio católico. A Manela até podia não ter más intenções, mas foi um excelente veículo dos clichés que existem sobre os espanhóis e do complexo de inferioridade. E era aí que eu queria chegar.