quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Donde está la zapataria?


Hoje, na única vez que saí da batcave, saí de chinelos. Batcave: onde a única actividade mutante, por estes dias, consta de uma luta para cumprir o prazo de entrega de uma tradução. Nenhum glamour de super herói literário, nenhuma vida secreta para entreter plateias, apenas e tão só, o escritor a fazer pela vida. Batcave: o abrigo nuclear contra a crise.

Saí de chinelos para a rua, mas não se tratava de pantufas com a cara do Alf, muito menos da versão para os pés desses pijamas com riscas e bolso ao peito. Não falo de xanatas de quarto. Falo de umas havaianas que esticaram, claramente, a corda do meu estilo - estão entre o arriscado e o que usaria um adolescente vedeta de novela. Têm dragões desenhados e duas listas douradas.

Saí assim porque tinha preguiça de calçar umas meias - há anos que não calço umas meias cujo par seja igual. Azul escuro vai muito bem com preto. Além disso, as minhas meias desaparecem com uma frequência bizarra (para onde?) e, como não tenho comprado roupa para os pés, acho que o meu stock está limitado a pouco mais de uma semana. Nota mental: fazer uma máquina de roupa. Os brancos vão muito bem com os azuis.

Saí para comprar queijinhos frescos. E as pessoas olhavam-me para os pés com a mesma intensidade com que Jesus lavou os pés dos discípulos. Percebi, depois de alguns minutos em marcha, que não se tratava tanto do padrão das havaianas, mas da improbabilidade de alguém, em Novembro, andar pela rua a fazer bottomless.

Todos me olhavam: as meninas cabeleireiras, à porta do salão, agitadas como adolescentes na fila da discoteca; as velhotas que se debatiam com o multibanco da mesma forma que se debatem com o comando de televisão: "Como é que meto isto no Goucha?"; o grupo de trabalhadores bigodudos e com fardas cor de laranja (um clássico: quatro em redor daquele que, embora lhe calhasse trabalhar, estava placidamente sentado na máquina com uma pança de dobrada transmontana.

Os meus pés, em vez de ficarem envergonhados, ficaram com frio. Mas, com tantos olhos seguindo os meus passos, estive perto da paróina, e pensei que me iam atacar.

Neste pequeno vale junto ao mar, tão perto de Lisboa, a diferença ainda é um espectáculo de rua. São apenas pés, digo eu. Mas, esperem, é possível que me tenha precipitado a ajuizar este fenómeno: talvez não se trate de desconfiança com aquilo que não encaixa na norma. Talvez a perversidade dos habitantes deste vale não esteja no preconceito, mas numa secreta galhofa fetichista: as cabeleireiras de espartilho e chibata, as velhotas com strap-ons e piercings nos mamilos, os trabalhadores imitando Fredy Mercury no teledisco I Want to Break Free. Todos eles fetichistas de pés, todos eles com uma batcave bem mais animada que a minha, todos eles prontos a fazerem-me a folha. Ou uma pedicure.

2 comentários:

busycat disse...

Só de pensar em pés a mostra com o frio que tive hoje, bbbrrr. Espero que não se constipe de modo a não interromper a escrita que tenho tanto gosto em ler. Boa continuação.

Patti disse...

Além de ter uma série de viúvas a viver consigo na batcave, sim viúvas, as meias chorosas sem par, também não aderiu à moda da havaiana de Inverno.
Há meias próprias para se usar havaianas no tempo frio.

Se bem que, o ridículo da situação seria o mesmo.
:)

(http://www.3lagoas.com.br/?canal=shopping&pag=prod&id=431&produto=meias-havaianas)