terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Vida de cão


Os senhores do partido que não gosta de estrangeiros tinham razão quando nos avisavam da ameaça alienígena. Este fim de semana, demonstrou-se mais uma vez que os velhacos dos imigrantes estão neste país para nos roubarem esses empregos que são desempenhados atrás dos balcões das pastelarias ou em andaimes de obra com a solidez da Ponte de Entre os Rios.

No Porto, um desses prevaricadores com sotaque de patife e epiderme de terrorista, até teve tempo de antena em todas as televisões. O sacana é empregado de restaurante, trabalho que, com toda a certeza, surrapiou ao Paulo Jorge, filho mais novo da Josefa do pronto-a-comer 'O Cantinho', um rapaz que passa agora as tardes a mandar mensagens escritas ou a sorver refrigerantes por uma palhinha nos corredores do Norte Shopping - isto quando não anda com os Super Dragões a apoiar o FC Porto em estações de serviço.

O infiel estrangeiro estava a sair do seu turno - de certeza que mais cedo do que devia (calinas)-, quando viu um cidadão de nacionalidade portuguesa ser levado por uma onda, juntamente com um cão que, apesar do pêlo negro (hélas) consta que também nasceu em Portugal.

O estrangeiro correu para o náufrago, meteu-se dentro da água gelada, e tentou içar o corpo inconsciente do português, enquanto a turbulência das ondas reproduzia o programa de centrifugação da Whirlpool AWOD5526 White. Dois portugueses, que trabalham no mesmo restaurante, bem se apressaram, mas o pulha chegou primeiro ao oceano, tal a sua ganância de protagonismo. Foram apenas oito minutos a bater contra as rochas, mas na entrevista o imigrante teve de sublinhar que a água estava muito fria. Vêm para cá comer à nossa conta, e ainda dizem mal das nossas praias.

O homem ao mar lá se salvou, é verdade. Mas o dia estava estragado. Um estrangeiro passou-nos a perna mais uma vez. Este tipo de indivíduos, que tiveram a ousadia e o defeito de nascerem noutro país, de falar outras línguas e até de ostentar outra cor de pele, não fizeram mais nada que vir para cá trabalhar, mostrar que há outros hábitos, outros mecanismos de sobrevivência e ainda insinuam que há alternativas ao nosso estilo de vida. Comem coisas estranhas e diferentes. Usam roupas coloridas ou biquínis mínimos ou escrevem com alfabetos que parecem os desenhos dos homenzinhos que apareciam pintados de lado nas paredes e que usavam eye liner.

E nós, que estávamos aqui tão bem, tão sossegados na nossa horta nas traseiras da Europa, tão parecidos uns com os outros que o país se assemelha a um casamento entre primos, somos agora obrigados a ler anúncios em estrangeiro nas paragens do autocarro e a ver os nossos filhos a serem fintados, na hora do recreio, por algum Ronaldinho em formato de creche infantil.

Da história de ontem resta-nos um consolo. O cão preto (mas português), depois de desaparecer na corrente, regressou a casa do dono horas mais tarde. E por tamanha demonstração de dignidade (recusar a ajuda de um imigrante que só quer aparecer nos telejornais), proponho que seja o candidato a primeiro ministro pelo tal partido que não gosta dos imigrantes.

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