sábado, 17 de janeiro de 2009

A vida inteira na televisão



Texto publicado na edição de hoje do Semanário Económico

Num dos episódios da série Mad Men, o protagonista, Don Draper, depois de apanhado numa das suas infidelidades, tem de voar de Nova Iorque para a Califórnia numa viagem de negócios – desaparece durante três semanas quando conhece uma mulher mais nova, e muda-se para uma mansão habitada por um grupo de pessoas que existem em redor de uma piscina, que falam francês, que escolheram a liberdade dos costumes.

Don Draper, publicitário implacável, americano de fato e chapéu no início da década de 60, está num impasse: escolher o amor seguro da família tradicional ou desfrutar da vida sem rede. Mais tarde, lê em voz alta um poema do livro “Meditations in an Emergency”, de Frank O’Hara: “Agora estou tranquilamente à espera que a catástrofe da minha personalidade volte a parecer bonita, interessante e moderna”.

Draper decide então regressar a Nova Iorque. Pede desculpa. E a mulher, grávida do terceiro filho, esposa exemplar na aparência e prisioneira de um subúrbio dourado, diz-lhe que não. Depois, a mulher deixa os filhos com o marido, entra num bar e, num quarto de arrumações, permite que um estranho lhe levante a saia até que se vejam as meias de liga. Em seguida, inclina a cabeça para trás.

Mad Men, que acaba de ganhar o Globo de Ouro pela para melhor série dramática de televisão, tem a capacidade para pôr as suas personagens no limite, encostadas às cordas, e de mostrar como reagem diante dessas escolhas decisivas. Em Portugal, a primeira temporada já começou a passar na Fox, estando também disponível em DVD, na Amazon.

Mad Men estreou-se em Outubro de 2007, num canal que, até então, apenas oferecia filmes antigos. Mas os executivos do AMC acharam que era preciso produzir ficção própria e escolheram a ideia de um guionista dos Sopranos, Matthew Weiner. No primeiro ano, a série não disparou nas audiências, mas a crítica impressionou-se. Na segunda temporada as audiência subiram 20 por cento.

Nos últimos anos, os Estados Unidos, produtores de tanto lixo televisivo, conseguiram recuperar todo o potencial da televisão. Por isso, passou a ser um lugar comum dizer que séries como os Sopranos, Sete Palmos de Terra ou The Wire são melhores – no guião, na interpretação, na fotografia, na direcção – que a quase totalidade dos filmes produzidos por Hollywood. Se fossem vivos, dramaturgos como Tennessee Williams ou Arthur Miller estariam a escrever para televisão.

O primeiro episódio de Mad Men começa com uma nota explicativa: “Mad Men, termo do final dos anos 50 usado para descrever o publicitários da Madison Avenue”. A série acompanha o funcionamento da agência Sterling & Cooper, nuns Estados Unidos felizes com a abundância mas assustados com os mísseis soviéticos. Os publicitários estão adiante do seu tempo nas ideias para as campanhas publicitárias, mas são fiéis seguidores do fato e do chapéu, dos cigarros sem parar (até os médicos fumam durante as consultas), dos cocktails antes e depois das reuniões, da amante na cidade e da mulher nos súburbios.

Don Draper, herói de guerra, com um passado misterioso, é a estrela da companhia – e uma das personagens televisivas mais fascinantes de sempre –, capaz de emocionar a audiência quando apresenta uma campanha à Kodak ou de dizer coisas como: “O amor foi inventado por um tipo como eu para que se vendam mais collants”. Mad Men é uma série politicamente incorrecta – trata do sexismo, do racismo, das peripécias exibicionistas dos machos alpha, da ideia que a competição é o motor da vida. As personagens podem, por vezes, parecer canalhas, mas são canalhas com sentido de humor, bem vestidos, sempre envoltos em fumo e vapores de whisky. Don Draper é um homem brilhante e insuficiente emocional. Um tipo duro com um lado suave muito bem escondido. Mad Men é uma série aparentemente superficial no estilo de vida dos personagens, mas, como diz Don Draper sobre um dos produtos que quer vender: “(Trata-se) de nostalgia. Delicada mas potente. Nostalgia significa a dor de uma ferida antiga, uma pontada no coração. Muito mais poderosa que a memória”.

2 comentários:

JO@N@ disse...

Uma serie genial... para quem ainda não viu:

http://www.surfthechannel.com/show/372.html

Rita disse...

olha lá, qual é o nome em português? Na Fox????